Agora, novamente
estamos próximos de uma eleição, a importante corrida às prefeituras e câmaras legislativas
municipais do país, e resolvi escrever este breve texto para discutir algumas
questões importantes e que, naquela ocasião, preferi postergar.
Antes de iniciar
minha exposição propriamente dita gostaria de deixar muito claro aos leitores
que a princípio sou contra o voto nulo e também não simpatizo com qualquer das
formas de Anarquismo preconizadas, sobretudo em se considerando o cerne
doutrinário que as sustenta.
Dito isso,
podemos começar. Pois bem, praticamente todos os internautas têm conhecimento
daqueles e-mails que criam correntes, quase sempre divulgando ideias estapafúrdias
e ridículas, e, como não é difícil concluir, o texto citado, usando desse tipo
de expediente, tentava, ou ainda tem tentado criar um sentimento, e um
movimento, capaz de tirar da inércia as pessoas rotuladas como de bem, que
passivamente assistem à galopante perda de dignidade e de honradez no meio
político e na administração pública do país. Muitos defensores e contrários à
ideia têm se utilizado da internet e de outros meios de massificação, ora para
divulgar, ora para combater a iniciativa, muitas vezes usando argumentos
pueris, inescrupulosos, sem o devido respeito aos adversários, e quase sempre buscando
como argumento, talvez inspirados em muitos de nossos políticos, a falácia e por
vezes a pseudossuperioridade afável. Como o leitor pode conferir, logo no
início deste texto há um link para o post
citado, permitindo a sua consulta, mas, antes de mais nada, posso asseverar
que, embora a proposta encampada por ele não encontre eco na legislação
eleitoral brasileira, sua ideia central não se trata de algo sem nexo, ou despolitizado,
como querem fazer crer alguns estranhamente interessados, para dizer o mínimo.
Aqui, não iremos
discutir o mérito dessa querela, quem tem ou deixa de ter razão. Não nos
interessa. O que a nós importa aqui é compreender um pouco mais da
proposta em si, seu alcance e até que ponto ela pode ou não surtir realmente
algum efeito, além, claro, de sugerir alguns desdobramentos que possam auxiliar
para um possível aprimoramento da mesma, apontando um caminho que talvez seja interessante
seguir.
Como vemos nas
eleições, sempre há uma quantidade de votos “inutilizados” por um grupo
minoritário de eleitores, e que orça por volta de 20% do total de votantes. Excepcionalmente, creio que seria de se
considerar seriamente juntar-se a esse seleto grupo para exigir de uma forma
extremamente democrática que haja a propalada moralização, pregada em redes
sociais, jornais, periódicos e similares, no seio da política e da
administração, sobretudo nos altos escalões da sociedade brasileira. Isso é
totalmente possível e uma alternativa de tal força que políticos, líderes e demais
agentes envolvidos direta e indiretamente na política nacional não querem
sequer considerar ou cogitar. Para refrear esse tipo de ação, esmeram-se em
estimular o voto, usando de mecanismos muitas vezes sutis à maioria dos
eleitores, atribuindo-lhes um suposto papel cívico, de cidadania, desde que
aceitem as regras impostas, mesmo que elas não ofereçam esperança para as mudanças
há muito exigidas pela população. O fato é que vemos a manutenção dos currais
eleitorais, dos caixas dois, dos dribles à lei da ficha limpa, etc., em suma,
subterfúgios e ilegalidades diversas, adornados com muita propriedade por um
crescente número de candidatos que chegam a usar lastimavelmente o horário
eleitoral para rir da cara da população, apresentando performances dignas de
uma república de bananas.
Como se pode
observar, entretanto, a forma desarticulada com que os eleitores têm
manifestado seu voto de protesto não
parece dar muito resultado, porque, entre outras deficiências, carece de
objetivos claros e da devida mobilização social para que possa habilitar-se a
surtir, de fato, algum efeito positivo. Como disse anteriormente, com os cerca
de 20% já praticamente assegurados, se poderia estabelecer como meta inicial
somar mais 30%, e, se possível, um pouco mais, o que totalizaria, por exemplo,
51% de votos anulados. Isso feito de forma desarticulada pode mesmo acabar
agravando exatamente o que se quer evitar, inclusive beneficiando partidos com
forte base de apoio e militância radical, como os de ideologia esquerdista, ou,
apesar de improvável, favorecendo partidos de direita, que manipulam vastos
bolsões eleitorais e quase sempre agem recorrendo a velhas táticas de estilo
coronelício. Mas, se há de fato interesse da população por um país melhor, mais
distante do populismo barato, da corrupção e menos submisso às oligarquias, essa
pode ser uma das melhores alternativas, se conduzida com responsabilidade e
metas bem definidas. A primeira questão a se considerar, porque fundamental, é
a mudança de foco. O foco atual é equivocado. Não adianta, por exemplo, anular uma
eleição e ter que fazer outra com políticos iguais ou piores que os anteriores.
O problema é mais complexo que parece e, no máximo, podemos atacar um segmento
do imbróglio por vez. Para começar,
tenho a modesta sugestão de que se ponha como condição para a efetiva, efusiva
participação da população, hoje obrigada e convencida a votar, que se faça uma
ampla reforma política, capaz de corrigir vários problemas presentes no
modelo atual. No meu entendimento, apesar de parecer antidemocrático, entre
tantas coisas a se alterar e que não cabem aqui discutir, creio que se deva
exigir competência a todo gestor público, o que significa dizer que todo
candidato deva ter o mínimo de formação. O menor nível aceitável deveria ser o
ensino médio. Ou, pelo menos, os candidatos mais votados deveriam
submeter-se a um exame ou prova de capacidade gestora e de aptidão, como todo
funcionário público se submete, salvo os empurrados por todo tipo vergonhoso de
apadrinhamento. Esse seria um grande serviço ao país, pois se criaria uma
primeira condição indispensável do gestor público: a competência. Defender o
contrário disso é discurso falacioso, ornado pela pregação da falsa igualdade,
mas que conduz a mais desigualdade.
É importante
chamar atenção para a questão levantada pelos opositores desse tipo de ideia, a
de que um número alto de votos nulo não anula a eleição. De fato, não há esse
tipo de previsão no código eleitoral brasileiro, obviamente porque seus elaboradores
decidiram fechar essa porta ao eleitorado. Há, porém, no código, outras
possibilidades de anulação, voltadas basicamente para problemas com fraudes.
Abaixo, acrescento os artigos da lei que tratam da questão (quem quiser ler
mais a respeito, pode baixar o código em PDF no site do TSE ):
Art.
220
É
nula a votação:
I
- quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com
ofensa à letra da lei;
II
- quando efetuada em folhas de votação falsas;
III
- quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada
antes das 17 horas;
IV
- quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.
V
- quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos
§§ 4º e 5º do art. 135. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
...
Art. 224.
Se a nulidade atingir a mais de metade
dos votos do País nas eleições
presidenciais,
do
Estado nas eleições federais e estaduais
ou do
Município nas eleições municipais, julgar-se-ão
prejudicadas as demais votações e o
Tribunal
marcará dia para nova eleição dentro do
prazo
de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Pois sim, usando
de um discreto subterfúgio, nossa democracia nos tira mais um direito, o de
escolher o que nossa consciência cidadã nos indica apropriado, diante das
circunstâncias.
Entretanto, para
mitigar um pouco o ardil, após evitar disponibilizar na urna eletrônica a opção
NULO, em favor da opção BRANCO, que vergonhosamente era um tipo de voto também
discretamente distribuído para quem o eleitor não fazia a mínima ideia, finalmente,
e felizmente, foi criada a lei Nº 9.504, que pôs termo a essa vergonha e o voto
BRANCO atualmente conta como nulo. Portanto, hoje há duas formas de anular um
voto: digitando BRANCO ou um número que não corresponda a nenhum candidato. Nesse
caso, o que normalmente se faz é digitar zeros.
Sim, mas se a
lei não oferece a opção de anular a eleição, não adianta votar nulo? Falso.
Como já disse, anular a eleição simplesmente para ter outros candidatos é mais
um daqueles brasileirismos frágeis, uma ideia inútil. Primeiro, um aspecto que
precisa ser incisivamente lembrado é que as barreiras impostas recobrem apenas
parte da questão, a porção que trata da legalidade,
mas há outra, relevante tal qual, que é o viés da legitimidade. Nenhum candidato eleito com um número irrisório de
votos tem legitimidade democrática, ou melhor, uma eleição que, reunidos, todos
os candidatos eleitos não somem 50% do total de eleitores, jamais terá
legitimidade, apenas legalidade, porque a letra fria da lei rege, porém,
escancaradamente em desacordo com a vontade do povo e em sério conflito com a
democracia. Imaginem a força e a repercussão que
tomará, dentro do país e internacionalmente, um feito desses, em que um
candidato a presidente, por exemplo, é eleito com muito menos de 50% dos votos,
e que os votos válidos sequer chegam a esse montante. Obviamente é isso que veladamente
tentam evitar nossos políticos e autoridades, que não se mexem para resolver
questões fundamentais,capazes de criar condições verdadeiras para construirmos
um país de primeiro mundo, que fuja desse modelo típico de América Latina e de
África, sem querer desmerecer suas populações, mas seus políticos, na imensa
maioria, populistas, corruptos e pouco competentes. É isso, a sociedade deveria
se organizar para ter forças de conseguir as mudanças necessárias ao país.
Deveria fazer como menino birrado, recusar-se a votar, colocando como condição
pautas como a reforma política, reforma do judiciário, etc., mas sem
transformar isso em uma brincadeira perigosa e tão irresponsável ou mais que
muitos políticos.
Assim, no papel,
até parece simples, mas colocar isso em prática exige um enorme esforço pelo
país. A primeira dificuldade é a de “quem vai amarrar o rabo do gato?”. Sou
apenas um modesto pensador e não tenho simpatia por militância de praticamente
nenhuma espécie, por isso, não me coloco à disposição para participar
diretamente de ações dessa natureza. É preciso, portanto, que um grupo de
pessoas comprometidas com o avanço do país se organize, se associe, crie um movimento
e divulgue a ideia, disposto a fazer frente às investidas contrárias. Inicialmente,
penso que poderia ser criado um site, um
espaço para cadastrar pessoas dispostas a participar do movimento e onde seria
discutida e apresentada em detalhes, e com abertura para metódica participação
popular, as propostas que embasariam a ação. Após se alcançar um número
significativo de participantes inscritos (um número suficiente para tirar a
legitimidade da eleição), e só então, seria dada a senha para que todos,
inclusive os simpatizantes, anulassem seus votos, em uma ação cautelosamente
harmonizada. Essa postura seria levada a um ponto tal que obrigasse a abertura
de negociações para o retorno à normalidade das votações, após os políticos se
comprometerem a atender as reivindicações justas, e sempre de natureza
universal, como as mudanças capazes de trazer mais rigor e moralidade à nossa
política. Mas reitero, como tudo, há muitos riscos, e uma das coisas mais
importantes é que se criem mecanismos que impeçam as possibilidades de manipulação
política do próprio movimento, através dos seus líderes. Deve ser um movimento necessariamente
apartidário. Seria, a meu ver, ainda muito mais interessante se os políticos e
as autoridades começassem a tomar providências, não engodos, para moralizar de
vez a política, pois, assim, evitariam passar por esse vexame e ameaçar a,
embora medíocre, estabilidade do país. Esse tipo de medida extrema é, portanto,
como um remédio, e dos mais severos, que precisa ser administrado na dose certa
e com as restrições necessárias. Um momento que eu acho propício para levar a
cabo a ideia é por ocasião das eleições presidenciais, que, mais distantes,
permitem mais tempo de planejamento, além de ter um impacto muito maior. Para essas
próximas eleições não é algo factível, mas nada impede que seja um artifício
usado oportunamente em menor escala, em estados e municípios.
O maior desafio,
entretanto, é conseguir reunir um número suficientemente amplo de eleitores
dispostos a seguir a recomendação de votar nulo, principalmente pela aleivosa
artimanha de permitir que jovens inimputáveis e analfabetos, com pouca ou
nenhuma consciência política participem das eleições. E, principalmente, o
baixo nível de educação e de politização no país dificultam muito para que o
povo se organize e crie movimentos assim. É, os políticos sabem exatamente o
que fazem. Quase nada é feito sem a astúcia de criar um ar de beleza e de
cidadania. É assim que se criam as resoluções que servirão, por fim, aos seus
interesses de manter-se no poder, com todos os escandalosos privilégios que a
sociedade consciente não mais admite.
Não acredite,
portanto, nessa história supostamente patriótica de que votar nulo é
demonstração de falta de cidadania. A opção de anular o voto é extremamente
democrática porque ninguém estará se abstendo de participar do processo sociopolítico.
Ela permite que o eleitor não apenas manifeste sua visão sobre a situação
política do país, mas, principalmente, que disponha de um instrumento para
alterá-la. Por outro lado, o que não pode acontecer é que nós tenhamos
intimamente o desejo mesquinho de deixar de votar, afinal alguém precisa
gerenciar as coisas, senão sobrevem o caos. O que se deve exigir são mudanças
nas distorções que atravancam o país. Essa sim será uma das maiores lições de
cidadania que alguém pode dar. Assim, avançaremos, saindo da uma compreensão
restrita de que o voto nulo é voto de
protesto, para outra, mais útil e completa, compreendendo-o como o voto que exige mudanças.
E essa é, de
quebra, uma alternativa totalmente compatível com o que se convencionou chamar
índole pacífica brasileira. O povo não sairia às ruas, não depredaria e não
pegaria em armas para conseguir fazer uma pequena revolução, ou, quem sabe,
enorme.
Caro leitor, eis
aqui, portanto, uma pequena contribuição que deixa aos muitos interessados em
pegar na rodilha, em ir à luta por um país melhor, considerações incipientes e que
permitem muitos aprimoramentos, aqui deixados de lado, pelo que já tocamos nos
aspectos que entendemos cruciais. Há muita gente boa por aí, capaz de encampar
essa luta e começar a dar à sociedade a voz que lhe é dissimuladamente negada.
Ajude a
construir um país melhor!