Neste ano, em
meio a muitos perigos, o Plano Real e sua valorizada moeda alcançaram a maioridade,
18 aniversários de circulação. Iniciado em 27 de fevereiro de 1994 com a publicação
da medida provisória nº 434, que instituía a URV (Unidade Real de Valor),
correspondente a CR$ 2.750 (Cruzeiros Reais), sofreu, o
intento, à época, forte resistência da esquerda política brasileira, sobretudo
do Partido dos Trabalhadores, que, mais equivocado que beata na zona, votou
contra quase todas as medidas basilares do plano. Por fim, saiu-se a peça briosamente
triunfante à oposição, aos anos e às várias crises financeiras mundiais que a
perseguiram.
O Plano Real foi
o projeto mais bem sucedido dos últimos tempos para conter a inflação, que, às
vésperas do début daquele, alçava-se
a níveis estratosféricos, chegando ao patamar de quatro dígitos anuais (2.477%).
Nos avizinhados anos
que antecederam seu lançamento, a inflação era como um monstro para os
brasileiros, uma esfinge de mil enigmas, que lhes cobrava os erros corroendo o
valor de seus bens ou de qualquer montante em dinheiro que ousassem guardar
distante de uma aplicação financeira. Até hoje se contam inúmeras historietas
da época, como as de gente que guardou baús e travesseiros cheios de dinheiro e
que, passados os anos, imaginando-se ainda próvidos, descobriram-se ao relento.
É, parece mesmo que nunca houve bons tempos!
Antes
do plano real, o pai do meu amigo dizia:
-
Meu filho, vai ligeiro ali comprar arroz.
-
Já vou, pai! Deixa só terminar o desenho – ao que o velho respondia:
-
Vai logo, pra ver se tu chega no arroz antes do homem da maquininha!!!
Era difícil! Outra
coisa que desde o início do empreendimento me chamou bastante a atenção foi,
não bastasse o sucesso logrado, a fabulosa escolha do nome Real para batizar de uma só vez o plano e a moeda. Ficou supimpa, e
nos pouparam dos Cruzados Novos e afins, que essa coisa de dar nome e título exige
talento. Vejam só o que a gloriosa FIFA não sugeriu para batizar a bola da copa?
Deixa qualquer um fuleco da vida! Mas, para quem acha normal chamar uma bola
pelo nome, está de bom tamanho.
Acontece que,
agora, passadas 18 primaveras, e com a inflação tomando mais força a cada dia, alimentada
pela especulação comercial e pela ineficácia dos governos que se sucederam em
proceder às reformas e ajustes que poderiam assegurar a sobrevivência da moeda,
ela começa a dar mostras de que poderá, em um futuro não muito distante,
precisar ser novamente substituída. Esse é mais um uso ou costume com feição
bem brasileira, digno de tombamento histórico, o grande número de trocas de
moeda desde o período da segunda grande guerra, oito, contando com o Real.
Coisa típica de país de terceiro mundo, que não faz o dever de casa. Nos países
de primeiro mundo, ocorre o contrário, veja-se, por exemplo, o caso do dólar
americano, que existe desde o século XVIII, da Libra Inglesa ou do Iene
japonês.
Como se não bastasse
a situação desfavorável, fruto da ausência das reformas, e o cenário econômico
internacional conturbado, ainda temos como agravante o comportamento perdulário
do governo, sobretudo nos últimos anos, e, em especial, na gestão do nosso nababo
made in Brasil.
Com as projeções
inflacionárias recentes beirando os 6%, o brasileiro começa a se preocupar com
um problema que já contava quase superado. A cada ida ao supermercado, à feira,
ele percebe que os preços estão mais móveis do que nunca.
Foi observando
esse cenário que decidi fazer essa rápida discussão sobre a desvalorização do Real
nesses 18 anos e refletir um pouco sobre o futuro da moeda. Pela simplicidade
dos objetivos da tarefa que levei a efeito, obviamente não recorri a nada que
se possa chamar, mesmo de longe, método, usei apenas alguns poucos dados
exemplificativos, mas que creio suficientes para nosso objetivo de mostrar de
modo visual e pouco técnico as perdas sofridas pelo Real com a ação
inflacionária. O cenário dos últimos anos naturalmente sugere desmoronamento no
túnel, se medidas eficazes não forem levadas a cabo pelo governo.
A inflação
oficial informada para o período julho/1994 - julho/2012 é de 287,36%; acontece
que, no cotidiano, nós temos sempre a impressão de que ela é muito maior. Se tivermos
um olhar mais amplo seremos, entretanto, forçados a admitir que em comparação vários produtos
baratearam no período, como eletrônicos, vestuário, passagens de avião, etc. Perceberemos
então que em bloco a mordida do monstro da inflação na moeda do Real difere
daquela que obtemos quando fazemos o cálculo da inflação de um produto isoladamente,
que oscila para cima ou para baixo, conforme a variável escolhida. Fizemos esse
cálculo isolado, para a gasolina, e outro, para a cesta básica, comparando os
preços de julho de 1994 com os atuais, ambos baseados nas informações disponibilizadas
por institutos e fundações na internet.
No início do plano real o brasileiro precisava de cinco moedinhas para comprar um botijão de gás, hoje precisa de pelo menos 40. |
Vamos iniciar
nossa demonstração pelo cotejo de preços feito abaixo com dez itens escolhidos
quase aleatoriamente e, claro, conforme conseguimos encontrar.
Julho de 1994
01. Cesta básica: R$ 101,93
(fonte: Procon/SP)
02. Cesta Básica: R$ 101,08 (fonte: Procon/RN)
03. Gasolina-preço médio: R$
0,460 (fonte: Dieese/PA)
04. Álcool-preço médio: R$
0,430 (idem)
05. Diesel-preço médio: R$
0,340 (idem)
06. Tarifa do Metrô/SP: R$ 0,60
07. Gás de cozinha/BH-preço médio: R$ 5,38
08. Revista semanal (preço de
capa): R$ 3,80
09. Carne Acém/BH: R$ 2,50
10. Salário mínimo: R$ 64,79
Julho de 2012
01. Cesta básica: R$ 341,35
(fonte: Procon/SP)
02. Cesta Básica: R$ 401,50 (fonte: Procon/RN)
03. Gasolina-preço médio: R$
2,729 (fonte: Dieese/PA)
04. Álcool-preço médio: R$
2,270 (idem)
05. Diesel-preço médio: R$2,062 (idem)
06. Tarifa do Metrô/SP: R$ 3,00
07. Gás de cozinha/BH-preço médio: R$ 40,00
08. Revista semanal (preço de
capa): R$ 9,90
09. Carne Acém/BH: R$ 12,39 (Preço
médio. Fonte: Mercado Mineiro)
10. Salário mínimo: R$ 622,00
Percentual de Aumento
do período:
01. 234,88%
02. 297,21%
03. 493,26%
04. 427,91%
05. 506,47%
06. 400%
07. 643,49%
08. 160,52%
09. 395,60%
10. 860,02%
Como se pode
observar, a inflação do período corroeu bastante o valor da moeda. Vale chamar
atenção para o aumento do salário mínimo bem acima da inflação, em números
brutos. Uma curiosidade matemática: FHC tirou-o de R$ 64,79 para R$ 200,00
(aumento de 209%), e o governo PT trouxe-o dos R$ 200,00 até os atuais R$
622,00 (aumento de 211%). Só de ponta a ponta, o aumento corresponde aos 860,02%.
A proeza factualmente melhorou o poder de compra das camadas mais pobres, desde
o divisor de águas que foi o governo FHC.
Quanto aos
outros salários, muitos sofreram perdas, motivando, por exemplo, as várias
greves do serviço público. Nos tempos de Real quem paga a conta é
principalmente a classe média, cujos salários despencaram, ao contrário dos
salários de políticos, por exemplo. O professor Pierre Lucena, do Departamento
de Ciências Administrativas da UFPE, e editor do site Acerto de Contas mostra a
desvalorização sofrida no magistério superior no intervalo de 1998 (era FHC) a
2012 (era PT), a partir do exemplo do salário de um professor adjunto, que,
descontada a inflação do período, recebe atualmente apenas 91,22% do que
recebia em 1998. Ou seja, andou pra trás, assim como a educação, contrariando os
esforços propagandísticos dos governos, que buscam sempre nos enganar, como se
fôssemos todos estúpidos.
Fazendo cálculos
isolados, verificamos que o R$ 1,00 de 1994 hoje equivale a alguns centavos; R$
0,16, baseado na alta da gasolina e R$ 0,29, baseado na inflação da cesta
básica. Nesse ritmo, a nota de R$ 100, que a gente brincava que era lisa porque
tinha um peixe, uma garoupa, hoje, é como se fosse uma nota de R$ 16,85, pela
conta da gasolina, ou de R$ 29,86, pela conta da cesta básica, por isso parece
mais fácil de se ver, menos para políticos, endinheirados..., que sempre
brincaram com dinheiro (do povo). Em 1994, se enchia um tanque de 50 litros com
R$ 23,00 e sobravam R$ 77,00 de uma nota dessas, hoje são necessários R$ 136,45
para encher o mesmo tanque. Esse encarecimento dos combustíveis contribuiu
bastante para o aumento dos outros preços, sobretudo a alta ainda maior do
diesel, grande responsável pelo transporte doméstico de mercadorias.
Nos 18 anos de real,
o maior vilão foi o preço do seguro de veículos, que sofreu um reajuste de nada
menos que 1.143,93%, bem acima da inflação como um todo. Mas, obviamente, isso
é compreensível, pois ele apenas tentou acompanhar o seu principal índice de
referência, o aumento da violência, que, chutando, deve ter recebido um
incremento de uns 10.000%, dada a incompetência do Estado para criar uma
política de segurança pública eficiente, deixando-a asfixiada pela gigantesca
burocracia, malbaratada por teóricos e ideólogos perdidos em meio ao tiroteio.
Bem, é algo compreensível
o por que deram fim à cédula de 1 Real. Seu valor já não estava combinando muito,
senão com uma moeda de metal, como reles troco. Parece ainda que o governo
precisa considerar a necessidade de reformas no sistema econômico brasileiro,
modernizando-o um pouco mais. Urge encontrar um ponto de equilíbrio, quase um
porto seguro, que garanta, nesses termos, o crescimento sustentável do país. A América
Latina ainda tem taxas inflacionárias razoavelmente altas, quando comparadas às
de países de primeiro mundo, e o Brasil briga pela liderança do ranking. O
Japão, por exemplo, tem taxas tão baixas que chegam à deflação (-0,1%), o que, segundo
especialistas, também cria problemas para o crescimento do país. Logo se vê que
a questão é de um fino equilíbrio e provavelmente passa pela correção de falhas
existentes nas políticas internas e nas relações comerciais entre os países.
Por
outro lado, se não é certo dizer que o governo do PT tem interesse em ver o Real
ir de água abaixo, no mínimo, ele não tem conseguido encontrar mecanismos
capazes de realmente controlar a inflação, para salvar a moeda e o país de um
novo caos inflacionário.
Resta-nos então, pelo menos, torcer para que o temido Adamastor não ressurja,
ou para que vire animação de trem fantasma em quermesse.
Para concluir,
gostaria apenas de acautelar para possíveis discrepâncias entre os números
apresentados aqui e outros a que o leitor possa ter acesso em outros momentos.
De fato, os diversos institutos e demais fontes de informação da área muitas
vezes entram em pequenas incoerências, mas nada que propicie alterar
substancialmente o que buscamos mostrar. Isso não se trata de nenhum alarde, e
torcemos para que pelo menos a robusta garoupa se torne um peixe mais abundante
para o leitor dessas praias, compensando o regímen que lhe tirou algumas boas onças
de peso.
Abraço!