13 de junho de 2011

Deficientes mais que eficientes

A postagem de hoje é sobre personalidades que, geniais em sua lida, apresentaram algum tipo de deficiência física que, em alguns casos, poderiam mesmo ter-nos privado de seu valioso trabalho, mas que, contrariando as expectativas pessimistas de muitos, fizeram coisas grandiosas, como poucos. Eles provaram que as pessoas com algum tipo de deficiência física não são necessariamente menos capazes do que as outras, e que podem produzir em alto nível. Casos assim não são tão raros como se pensa, veja-se, por exemplo
, Aleijadinho, um dos maiores representantes do barroco brasileiro, ou Ludwig Van Beethoven, que perdeu a audição, mas, apesar da limitação, nos brindou com peças musicais de beleza inigualável, ou ainda o gênio da ciência, Galileu Galilei, que sofria de deficiência visual e que ajudou a revolucionar o pensamento humano.

A ideia de fazer essa breve seleção surgiu quando vi o caso de um homem sem braços no Ceará, mas que vive em um nível de dignidade espetacular. Um cearense daqueles. De uma força interior inspiradora. Ele sustenta com o seu trabalho a sua família, e se esforça para manter uma vida independente, fazendo, sozinho, tarefas que poderiam parecer impossíveis, como raspar a própria barba com os pés. E quando fala? Aí você percebe que há ali um grande homem, de cabeça erguida, e enfrentando a vida com muita decência.

Celebridades ou desconhecidos, todos eles ensinam coisas extraordinárias sobre a vida. E deixam claro que todos aqueles que apresentam algum tipo de deficiência merecem das autoridades e de toda a gente o respeito, a admiração e oportunidade.

Patativa do Assaré

Iniciarei falando, portanto, de outro cearense, que apesar da falta de um olho, enxergava muito distante: o grande poeta popular, Patativa do Assaré.

Patativa, cujo nome faz referência a uma ave canora comum no sertão nordestino e a sua cidade natal, está entre os maiores repentistas, cordelistas e fazedores de verso do Brasil. Sua obra é hoje reconhecida no meio acadêmico e até no exterior, com direito a pesquisa na Sorbonne e a 5 títulos de Doutor Honoris Causa.

Patativa era mesmo formidável. Poesia em estado puro. Cantou o nordeste com a propriedade dos espíritos superiores. A paixão pelo torrão amado, sua gente e seus costumes, o Brasil e suas mazelas, e virou canção em vozes como as de Luis Gonzaga e Fagner.  Ganhou prêmios, e quiseram mudar-lhe o modo de vida. E ele, bravo, resistiu. Era um homem de crença forte, que sabia das coisas da vida como poucos. E, em sua linguagem simples, nos legou textos de uma inspiração natural, e como bom cearense nos fez rir e emocionou com seus versos afiados. Quem quiser saber um pouco mais sobre o poeta pode procurar o filme “Patativa do Assaré - Ave Poesia”, de Rosemberg Cariry.

Abaixo, um vídeo em que Patativa declama “Menino de rua”, de sua autoria, e que nos dá uma pequena ideia de quem foi esse gênio das palavras.


Aleijadinho

Mineiro de Ouro Preto, Aleijadinho foi um extraordinário entalhador, escultor e arquiteto do período colonial brasileiro. Sua obra é cara ao estilo barroco, com tom religioso, mas aproxima-se em alguns momentos do Rococó, simplificando, uma espécie de Barroco levado ao extremo. Aleijadinho não teve todo o reconhecimento devido quando em vida, talvez por sua ascendência escrava por parte da mãe, e o consequente estilo de vida que levou, sendo muitas vezes discriminado e contratado como simples artesão.  A despeito disso, hoje é reconhecido internacionalmente como um dos maiores nomes do barroco, nas artes plásticas.

Seu nome verdadeiro era Antônio Francisco Lisboa, e recebeu a alcunha com que se notabilizou, em virtude de uma doença grave não identificada cabalmente, em uma das épocas mais prolíferas de sua vida artística e cultural, e que acabou por tirar-lhe os valiosos membros com que manejava com maestria incomparável sua ferramenta, chegando mesmo a obrigá-lo a andar de joelhos. Ainda assim, Aleijadinho continuou a produzir, agora em meio às dores do corpo e da alma, mas conseguindo, entre outras realizações, entregar à posteridade sua obra-prima, o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, na cidade de Congonhas-MG, contando com a contribuição de outros artistas importantes da época. Agora, o que parece inacreditável: o herói mineiro trabalhava com as ferramentas atadas às partes dos membros que lhe restaram, chegando a assemelhar-se, segundo relatos, no final de sua vida, ao sofrido Quasímodo de Notre D’ame. Em meio às controvérsias e imprecisões de sua história, uma coisa é certa: Aleijadinho acreditava e sabia do seu talento e nada o demoveria de seus objetivos artísticos.


Esculturas (Foto: Tiago Degaspari)

Santuário de Bom Jesus de Matosinhos (Foto: Jéssica Aquino)










Beethoven

Outro grande nome da cultura universal, o compositor alemão Ludwig Van Beethoven, também teve que superar uma dificuldade que, pelo menos aparentemente, acabaria com o sonho de qualquer um que tivesse como principal matéria de trabalho o som: a surdez.

Beethoven começou a perder a capacidade auditiva ainda jovem, por volta dos 26 anos de idade. No decorrer dos anos seguintes, foi paulatinamente perdendo essa capacidade, mas sempre mantendo alguma condição auditiva residual, sendo privado dela totalmente apenas nos últimos anos de vida. Foi obrigado, portanto, a conviver com uma dificuldade que nunca retrocedeu ou estagnou. A cada dia Beethoven conseguia perceber menos timbres e outras nuanças musicais, o que lhe acarretou grande sofrimento pessoal.

Provavelmente o drama de Beethoven, aliado à atmosfera europeia à época, além de sua genialidade, tenham contribuído, de algum modo, para que ele tenha buscado um novo caminho na música erudita, inaugurando, assim, um novo modo, libertário, e  com tendências ao escapismo, o Romantismo.

Beethoven usou a sua música como lenitivo, e como motivação, compondo uma obra magnânima.  Tanto talento e persistência deram-lhe grande reconhecimento ainda em vida, e colocaram-no, ao lado de nomes como Mozart, Bach, etc. entre os maiores gênios da música universal.

Uma sugestão interessante, aos amantes da boa música e das belas histórias, é ver Beloved Immortal (Minha Amada Imortal), de Bernard Rose.

Abaixo, um pequeno vídeo da conhecidíssima bagatela para piano, "Für Elise", escrita no final da primeira década do século XIX, aqui executada pela pianista ucraniana Valentina Lisitsa.


Ray Charles

O ícone da música negra Americana, Ray Charles, também é outro exemplo de superação de limites. Quem poderia imaginar que um negro, filho de pobres, órfão ainda na adolescência,  e cego aos 7 anos de idade poderia chegar tão longe? Pois é, contra todos os prognósticos, Ray Charles conseguiu tornar-se um dos maiores nomes do Rhythm and Blues e do Soul, uma espécie de fusão entre a música bem ritmada daquele com a música gospel americana.

Ao lado de figuras emblemáticas, como James Brow, Aretha Franklin, entre outros, Ray Charles influenciou e continua influenciando a música e a cultura pop em todo o mundo, passando por nomes como Michael Jackson, a cantora inglesa Amy Winehouse, e, no caso brasileiro, por artistas como o saudoso Tim Maia.

Uma sugestão para os que quiserem se emocionar com a dramática história de Ray Charles, com seus erros e acertos, mas vitoriosa pelo menos artisticamente, é assistir a “Ray”, de Taylor Hackford, com Jamie Foxx no papel do ídolo, e que lhe valeu o oscar.

Dueto de Ray Charles com Barbra Streisand:



Franklin Roosevelt

Para concluir, resolvi colocar o nome de um grande político do cenário mundial. Franklin Roosevelt parece se enquadrar perfeitamente no que buscamos, pois, considerado pelos americanos como um dos maiores presidentes da história de seu país, e tendo sido eleito para quatro mandatos, o recorde americano, conseguiu, em meio às dificuldades da grande Depressão e da 2ª guerra Mundial, esconder quase completamente toda a debilidade de seu corpo. Um corpo frágil que sustentava uma mente e uma personalidade marcantes.

Entre seus feitos mais importantes está o New Deal, que constitui um plano, ou uma série de medidas com o fito de recuperar a economia americana, abalada pela Grande Depressão.

Vítima da poliomielite aos 39 anos de idade, Franklin Roosevelt se viu praticamente preso a uma cadeira de rodas. Digo, praticamente, porque, embora a usasse com frequência, evitava a todo custo aparecer publicamente, ou ser registrado, em tal circunstância.

Mesmo que não seja unanimidade, e tenha críticos ferrenhos, Roosevelt, no quesito que apresentamos aqui, se saiu muito bem: um cadeirante que governou a maior potência mundial por 3 mandatos e pouco, e em um dos seus momentos mais complicados, conseguindo, conforme seus métodos, contestados ou não, reconduzi-la ao posto de maior e mais influente do mundo.


Bem, a lista de superações é grande, e tem muita gente de peso que não citarei aqui, como o poeta grego Homero, o maior poeta da língua portuguesa, Luís de Camões, o perseverante maestro brasileiro João Carlos Martins, o tenor italiano Andrea Bocelli, o nosso querido Roberto Carlos, a cantora de Jazz Ella Fitzgerald, e tanta gente talentosa mais, que provou, cada uma em seu ramo de atividade e no interior de sua paixão e do seu amor obstinado, que os limites estão dentro da mente das pessoas, e que, se todos acreditarem, e se agarrarem com toda a força que puderem a seus objetivos, com o talento que tenham, alçarão voos magníficos.


4 Comentários
Comentários

4 comentários:

Flora Pires disse...

Querido LeMarc!
Linda homenagem prestada a estas figuras relevantes e exemplo de superação e talento!
Parabéns pelo tema escolhido e pelo belo texto.
Abraços.

Vinícius Lemarc disse...

Todos têm que entender que a forma como tratamos as pessoas, faz muita, mas muita diferença, na vida delas. E nas nossas. As pessoas que têm algum tipo de deficiência, têm muitos dons e condições de fazer coisas sim maravilhosas, por que não? A nossa sociedade precisa crescer nesse quesito. Mas, aos poucos, vamos criando novas formas de viver em sociedade, de modo mais justo e sem exclusão de ningém, por critérios totalmente sem fundamento. Abraço, querida Flora!
LeMarc

Srta disse...

Eficientes? E como são..

Grande e merecida homenagem, minha admiração ao Roosevelt, Ray Charles( gosto do blues& Soul,no entanto a minha paixão é o Jazz)
Nossa, bem lembrando..grande Patativa! E ainda pouco estava assistindo um filme sobre a história de Aleijadinho...é, sem palavras..
Muito mais que eficientes, são dotados de dom e as deficiências tornam-se tão pequenas diante dos dons que estes foram capazes de fazer :)

Abraços,

Srta G

Vinícius Lemarc disse...

Realmente, eficiência é pouco para descrever esses gênios. Eles marcaram seu tempo, sua arte e a própria sociedade. E olha que esses são apenas alguns exemplos, e muita gente ficou de fora. É claro que não é qualquer um que pode ser um Beethoven, ou um Patativa, entretanto é importante assinalar que as pessoas são muito mais que sua aparência física, ou suas aparentes limitações. Com esforço, dedicação e tendo o respeito a suas potencialidades resguardado, mesmo as pessoas ditas especiais podem ir muito longe, até mais longe que as ditas normais.
Grande Abraço, cara Srta. G!

LeMarc

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