Embora reconheça a contribuição e o potencial da
tecnologia na vida moderna, não posso dizer que estou entre os maiores
entusiastas dessa nova era, a chamada “era da informação”. Isso se dá menos por
motivos intrínsecos à própria natureza do fenômeno do que pela qualidade das
relações que ele estabelece com, digamos, os usuários.
Para a maioria das pessoas, o primeiro impulso
diante da inovação é geralmente o de exultação e contentamento; uma postura
mecânica que o tempo arrefece adiante do desvelamento das limitações da
novidade, e principalmente no confrontar de sua zona cinzenta, que corresponde
a como ela será efetivamente aproveitada pelas pessoas na execução de suas
tarefas, de suas necessidades e de seus desejos. Um episódio que sempre me vem
à mente, nessas horas, trata do último artigo publicado por Umberto Eco, no
qual ele chama os usuários da internet de imbecis. Confesso que, vindo de um
intelectual do seu porte, defensor ardoroso, como tantos, do povo e de suas
idiossincrasias, essa abordagem um tanto grosseira me pareceu reveladora. Na verdade, ela não foi surpresa para
mim, pois não poucos teóricos tecem loas a inumeráveis arranjos e infinitas
coisas até terem de conviver com o pior que delas emana, para reagirem
controversa e até rispidamente. No caso, a internet deveria ser algo
libertador, democrático e facilitador do desenvovimento humano, mas os
desavisados temos acordado em meio ao pesadelo que daí emerge, descortinando
adiante de nós realidades “virtuais” opressoras, antidemocráticas e
embrutecedoras. Vemos aí problemas a perder de vista, que, em resumo, têm
contribuído para usos maléficos de toda ordem. Felizmente o uso positivo desses
recursos ainda parece se superpor ao uso deletério, subculturalesco ou
progressivamente mediocrizante.
Feita a ressalva, posso dizer, sem que pareça
arroubo juvenil, o que de há muito tenho considerado um caminho necessário,
oportuno e incontornável: o uso das chamadas redes telemáticas como
aperfeiçoador e enriquecedor dos modelos de relação homem/estudo,
homem/trabalho e homem/lazer. Se a última pandemia serviu para alguma coisa,
seguramente foi para sensibilizar a sociedade e as autoridades a respeito do
incremento que pode haver com o aporte da tecnologia na modernização de
importantes atividades humanas. Ser
contra essa inovação é agarrar-se de modo irrefletido a um certo tipo de
passado.
Não irei me estender aqui, mas penso que - para
começar - no que tange ao vetor Ensino, há particularmente um continente a ser
desbravado. Os chamados cursos de EAD, por exemplo, apesar do desenvolvimento,
ainda são uma iniciativa tímida e exolimitada, restringindo o espaço a poucas
iniciativas como as meras aulas remotas, quase sempre improvisadas. Há, para
além da miopia intelectual, uma burocracia infernal que atrasa o país, em todas
as frentes, e aqui não é diferente. Quanto maior o grau de maturidade do
estudante, mais flexível e dinâmica deve ser a forma como ele estuda.
Em resumo: em uma ponta, cursos de pós-graduação devem
ser expandidos com o apoio da tecnologia, que está aí, cada vez melhor. É de se
presumir que tais estudantes tenham mais maturidade e possam dispor de mais
opções para ingressar em uma gama de cursos, fugindo da ditadura de uns poucos
disponíveis presencialmente, muitas vezes em condições materiais nitidamente
contraproducentes. O argumento da impossibilidade de qualidade é, no mínimo,
falacioso e simplista, e praticamente todas as possíveis desculpas apresentadas
em contrário se desfazem se examinadas de perto. Ora, em qualquer formato, o
critério norteador deve ser o da qualidade, e isso não necessariamente é
garantido em cursos apenas por que são presenciais.
Há, sim, cursos mais ariscos, mas mesmo esses podem
se beneficiar do progresso e da tecnologia, se bem estruturados, com pessoal
rigidamente formado e contratado mediante parâmetros exigidos pelos métodos
adotados. E, óbvio, o epicentro de qualquer método de ensino nessas condições
deve ser a apresentação oral dos trabalhos.
Na outra ponta, temos o aluno iniciante, que precisa
de uma presença ostensiva e disciplinada de um tutor, que tem na figura do
professor sua principal expressão. Apesar desse seu caráter mais acolhedor, há
também muito que a tecnologia pode com ele contribuir. Mas aí é ela uma atriz
coadjuvante.
Há ainda vários ganhos para a sociedade, que não
serão esmiuçados aqui, como a diminuição das construções e a manutenção de
enormes estruturas, com todos os seus quiproquós, a redução dos deslocamentos
nas cidades e a consequente melhora no trânsito, contribuindo para mais
qualidade de vida, entre outros. É importante ressaltar que diminuição não
significa fim dos grandes centros de excelência, que prosseguirão com sua
função catalisadora.
O uso da tecnologia na educação é, portanto, um
caminho sem volta; e para todos os níveis. A aplicação é variada e oportuna,
mas o que parece é que deve ser maior conforme se sobe o nível escolar,
chegando, em muitos casos, ao completo afastamento da sala tradicional.
Em suma, cursos presenciais, on-line ou mistos podem
ter indistintamente, alta qualidade, se atendidas as premissas fundamentais de
sua estruturação. O engessamento só cria nichos e dificuldades para muita gente
boa que nem sempre está disposta a se submeter a cursos que não são, por diversos
motivos, do seu real interesse. Manter essa postura antiuniversalista e
protecionista é o contrário do que um país deveria desejar na área. Não podemos
ser contra o natural e benéfico progresso.
Outro mito que temos visto se desfazer pela emergência
da pandemia é a de que o homme office jamais funcionaria. Temos visto no
noticiário que muitas empresas se surpreenderam com o aumento da produtividade após
a adoção forçada desse modelo de trabalho, e muitas já pensam em mantê-lo e até
em adotá-lo exclusivamente. Por outro lado, os trabalhadores se dizem muito
mais motivados e felizes por trabalhar mais perto da família, em especial, pais
e casais, que antes, quase não se viam no dia a dia, graças ao desperdício de
tempo no trânsito e às dificuldades para almoçar com a família. Apesar da
superficialidade das notícias a respeito, o que parece é que nesse caso todos
saem ganhando, observadas as metas, que são mais próprias e alcançáveis por
aqueles disciplinados que amam mais liberdade, mais lar, mais família e mais
vida intelectual.
Esse modelo tira uma certa sensação de amputação que
o trabalhador pode ter, visto que, deslocado da vida aprazível, dá ao trabalho
a feição de inimigo necessário. Claro que muitas funções não podem ser
exercidas senão presencialmente, mas há a inclusive opção de regimes mistos,
sem falar das famigeradas reuniões, que podem ser feitas do sossego do lar,
desde que todos tomem cuidado com as câmeras e com as questões de natureza
técnica.
Alguns podem refutar, comparando, por exemplo, o
ensino por meio das novas redes telemáticas aos antigos cursos à distância,
como os oferecido pelo IUB. Nada mais falso! Naquela época, tudo era rodado à
manivela, e vivíamos o espetacular progresso do mimeógrafo. Trata-se, portanto,
de uma comparação absurda ou oportunista.
A arte, a ciência e a cultura em geral, têm se
beneficiado o quanto possível com o advento das tecnologias modernas,
diminuindo inclusive um certo tipo de pressão sobre o meio; portanto, o
adiamento desses passos representa apenas desinformação e incapacidade
reflexiva de parte dos envolvidos, inclusive para encontrar soluções viáveis
para esse passo que inevitavelmente será dado, mesmo tendo antes que lutar
contra os amantes do lobby e do atraso, para si, aparentemente lucrativo.
Tal iniciativa não elidirá também, em absoluto,
o mundo concreto ou a necessidade da vida comunitária. Nem deve. Antes deve se
constituir em uma camada de onde se extrai o que há de melhor, reforçando a
tecnologia como um bem a serviço do homem, abandonando o desperdício de ambas
as potencialidades e colocando-se inevitavelmente a favor deste para uma vida
real melhor aproveitada.