27 de dezembro de 2022

Do Home Office ao Home Tudo

Embora reconheça a contribuição e o potencial da tecnologia na vida moderna, não posso dizer que estou entre os maiores entusiastas dessa nova era, a chamada “era da informação”. Isso se dá menos por motivos intrínsecos à própria natureza do fenômeno do que pela qualidade das relações que ele estabelece com, digamos, os usuários.

Para a maioria das pessoas, o primeiro impulso diante da inovação é geralmente o de exultação e contentamento; uma postura mecânica que o tempo arrefece adiante do desvelamento das limitações da novidade, e principalmente no confrontar de sua zona cinzenta, que corresponde a como ela será efetivamente aproveitada pelas pessoas na execução de suas tarefas, de suas necessidades e de seus desejos. Um episódio que sempre me vem à mente, nessas horas, trata do último artigo publicado por Umberto Eco, no qual ele chama os usuários da internet de imbecis. Confesso que, vindo de um intelectual do seu porte, defensor ardoroso, como tantos, do povo e de suas idiossincrasias, essa abordagem um tanto grosseira me pareceu reveladora. Na verdade, ela não foi surpresa para mim, pois não poucos teóricos tecem loas a inumeráveis arranjos e infinitas coisas até terem de conviver com o pior que delas emana, para reagirem controversa e até rispidamente. No caso, a internet deveria ser algo libertador, democrático e facilitador do desenvovimento humano, mas os desavisados temos acordado em meio ao pesadelo que daí emerge, descortinando adiante de nós realidades “virtuais” opressoras, antidemocráticas e embrutecedoras. Vemos aí problemas a perder de vista, que, em resumo, têm contribuído para usos maléficos de toda ordem. Felizmente o uso positivo desses recursos ainda parece se superpor ao uso deletério, subculturalesco ou progressivamente mediocrizante.

Feita a ressalva, posso dizer, sem que pareça arroubo juvenil, o que de há muito tenho considerado um caminho necessário, oportuno e incontornável: o uso das chamadas redes telemáticas como aperfeiçoador e enriquecedor dos modelos de relação homem/estudo, homem/trabalho e homem/lazer. Se a última pandemia serviu para alguma coisa, seguramente foi para sensibilizar a sociedade e as autoridades a respeito do incremento que pode haver com o aporte da tecnologia na modernização de importantes atividades humanas.  Ser contra essa inovação é agarrar-se de modo irrefletido a um certo tipo de passado.

Não irei me estender aqui, mas penso que - para começar - no que tange ao vetor Ensino, há particularmente um continente a ser desbravado. Os chamados cursos de EAD, por exemplo, apesar do desenvolvimento, ainda são uma iniciativa tímida e exolimitada, restringindo o espaço a poucas iniciativas como as meras aulas remotas, quase sempre improvisadas. Há, para além da miopia intelectual, uma burocracia infernal que atrasa o país, em todas as frentes, e aqui não é diferente. Quanto maior o grau de maturidade do estudante, mais flexível e dinâmica deve ser a forma como ele estuda.

Em resumo: em uma ponta, cursos de pós-graduação devem ser expandidos com o apoio da tecnologia, que está aí, cada vez melhor. É de se presumir que tais estudantes tenham mais maturidade e possam dispor de mais opções para ingressar em uma gama de cursos, fugindo da ditadura de uns poucos disponíveis presencialmente, muitas vezes em condições materiais nitidamente contraproducentes. O argumento da impossibilidade de qualidade é, no mínimo, falacioso e simplista, e praticamente todas as possíveis desculpas apresentadas em contrário se desfazem se examinadas de perto. Ora, em qualquer formato, o critério norteador deve ser o da qualidade, e isso não necessariamente é garantido em cursos apenas por que são presenciais.

Há, sim, cursos mais ariscos, mas mesmo esses podem se beneficiar do progresso e da tecnologia, se bem estruturados, com pessoal rigidamente formado e contratado mediante parâmetros exigidos pelos métodos adotados. E, óbvio, o epicentro de qualquer método de ensino nessas condições deve ser a apresentação oral dos trabalhos.

Na outra ponta, temos o aluno iniciante, que precisa de uma presença ostensiva e disciplinada de um tutor, que tem na figura do professor sua principal expressão. Apesar desse seu caráter mais acolhedor, há também muito que a tecnologia pode com ele contribuir. Mas aí é ela uma atriz coadjuvante.

Há ainda vários ganhos para a sociedade, que não serão esmiuçados aqui, como a diminuição das construções e a manutenção de enormes estruturas, com todos os seus quiproquós, a redução dos deslocamentos nas cidades e a consequente melhora no trânsito, contribuindo para mais qualidade de vida, entre outros. É importante ressaltar que diminuição não significa fim dos grandes centros de excelência, que prosseguirão com sua função catalisadora.

O uso da tecnologia na educação é, portanto, um caminho sem volta; e para todos os níveis. A aplicação é variada e oportuna, mas o que parece é que deve ser maior conforme se sobe o nível escolar, chegando, em muitos casos, ao completo afastamento da sala tradicional.

Em suma, cursos presenciais, on-line ou mistos podem ter indistintamente, alta qualidade, se atendidas as premissas fundamentais de sua estruturação. O engessamento só cria nichos e dificuldades para muita gente boa que nem sempre está disposta a se submeter a cursos que não são, por diversos motivos, do seu real interesse. Manter essa postura antiuniversalista e protecionista é o contrário do que um país deveria desejar na área. Não podemos ser contra o natural e benéfico progresso.

Outro mito que temos visto se desfazer pela emergência da pandemia é a de que o homme office jamais funcionaria. Temos visto no noticiário que muitas empresas se surpreenderam com o aumento da produtividade após a adoção forçada desse modelo de trabalho, e muitas já pensam em mantê-lo e até em adotá-lo exclusivamente. Por outro lado, os trabalhadores se dizem muito mais motivados e felizes por trabalhar mais perto da família, em especial, pais e casais, que antes, quase não se viam no dia a dia, graças ao desperdício de tempo no trânsito e às dificuldades para almoçar com a família. Apesar da superficialidade das notícias a respeito, o que parece é que nesse caso todos saem ganhando, observadas as metas, que são mais próprias e alcançáveis por aqueles disciplinados que amam mais liberdade, mais lar, mais família e mais vida intelectual.

Esse modelo tira uma certa sensação de amputação que o trabalhador pode ter, visto que, deslocado da vida aprazível, dá ao trabalho a feição de inimigo necessário. Claro que muitas funções não podem ser exercidas senão presencialmente, mas há a inclusive opção de regimes mistos, sem falar das famigeradas reuniões, que podem ser feitas do sossego do lar, desde que todos tomem cuidado com as câmeras e com as questões de natureza técnica.

Alguns podem refutar, comparando, por exemplo, o ensino por meio das novas redes telemáticas aos antigos cursos à distância, como os oferecido pelo IUB. Nada mais falso! Naquela época, tudo era rodado à manivela, e vivíamos o espetacular progresso do mimeógrafo. Trata-se, portanto, de uma comparação absurda ou oportunista.

A arte, a ciência e a cultura em geral, têm se beneficiado o quanto possível com o advento das tecnologias modernas, diminuindo inclusive um certo tipo de pressão sobre o meio; portanto, o adiamento desses passos representa apenas desinformação e incapacidade reflexiva de parte dos envolvidos, inclusive para encontrar soluções viáveis para esse passo que inevitavelmente será dado, mesmo tendo antes que lutar contra os amantes do lobby e do atraso, para si, aparentemente lucrativo.

Tal iniciativa não elidirá também, em absoluto, o mundo concreto ou a necessidade da vida comunitária. Nem deve. Antes deve se constituir em uma camada de onde se extrai o que há de melhor, reforçando a tecnologia como um bem a serviço do homem, abandonando o desperdício de ambas as potencialidades e colocando-se inevitavelmente a favor deste para uma vida real melhor aproveitada.



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