O mundo está atravessando um momento muito
duro, com esta nova pandemia, e a crueza dos acontecimentos, somada à extensão
de seus danos, tem nos levado a fazer vários questionamentos. Tenho acompanhado
conforme possível parte do noticiário e buscado compreender o que se passa. As
variáveis são muitas e as questões numerosas, mas, a meu ver, uma das mais
importantes diz respeito ao nível de letalidade e à busca por explicações para
o seu elevado índice. A resposta é, em parte, singela, e me incomoda que especialistas,
autoridades de saúde e demais atores da frente de batalha, falem muito, bem, e
reiteradamente, sobre vários pontos relevantes, mas esqueçam de enfatizar
justamente este. Falam-nos acerca dos cuidados necessários para se evitar a
contaminação, sobre as implicações de uma aceleração no contágio, sobre a
necessidade de se manterem receitas financeiras para custear o combate à peste,
mas não são claros e objetivos - para não dizer, diretos - na explicação
do alto número de mortes, se o comparamos aos índices, por exemplo, de mortes
por dengue ou influenza. Certamente esse fato não se deve apenas às diferenças
entre as diversas cepas responsáveis por essas doenças. Pois bem, vi gente
comemorando que, finalmente, o vírus igualara ricos e pobres, mas essa é apenas
uma meia verdade, se olhamos atentos todo o espectro. O vírus não é
brincadeira, se dissemina fácil e mata mais do que vários outros; mas o que tem
contribuído fortemente para potencializar o número de mortes por covid-19 é
certamente a falta de um bom tratamento para todos, ricos e pobres. Quem não
tem recursos financeiros passa a contar quase exclusivamente com a sorte de
receber um bom tratamento ou ser parte dos imunologicamente resistentes. Os
figurões do Brasil e do mundo têm tido acesso a um bom tratamento precoce, a
bons médicos, a boas estruturas hospitalares, a acompanhamento intensivo de seu
quadro, e têm conseguido bons resultados (quando não há erros ou óbices
relevantes em sua saúde), enquanto se verifica que muitos pobres têm morrido à
mingua, como sabemos, sem diagnóstico eficaz, sem tratamento inicial
consistente, em hospitais lotados - quando não abandonados à própria sorte - e
contando basicamente com o esforço de médicos e enfermeiros, que, via de regra,
têm trabalhado sob muita tensão e improviso.
Se queremos ver esse terrífico quadro
minorado, urge, portanto que atentemos para os seguintes pontos; uma espécie de
rota elementar e sinalizadora para, com decisão, se trilhar:
1. Aperfeiçoar e potencializar
um amplo sistema de diagnósticos;
2. Definir - para ontem - o
momento certo de agir, de iniciar o tratamento; o que deve se dar logo após o
diagnóstico rápido;
3. Procurar um jeito de oferecer
medicamentos e estrutura hospitalar de qualidade aos pacientes, ou, no mínimo,
suficiente, durante as internações e o tratamento;
Fácil? Não. Mas necessário. Um esforço
homérico, sobretudo em um país que, nos últimos tempos, teve suas finanças
destruídas. É preciso definir objetivos claros e persegui-los com determinação,
sem conversa inútil, sem empáfia, mostrando que este país ainda tem esperança
de ser alguma coisa neste mundo. É, portanto, preciso saber gastar os ralos
recursos disponíveis - ou seja, gastar naquilo que fará diferença - e vigiar de
perto as hienas das tragédias.
Aliada aos três pontos cruciais acima, temos
a necessária busca por soluções viáveis para a questão do controle de fluxo das
pessoas, que deve se dar de modo a manter o essencial, para que o país não
desabe. Depois, é preciso continuar exigindo que a população tenha muita
responsabilidade e faça rigorosamente a sua parte, sem que ninguém seja acusado
de higienista ou hipocondríaco.
Outra necessidade é que as pessoas sejam
republicanas, tenham urbanidade, e deixem questões políticas em segundo plano,
no sentido de que estas não interfiram no que seja uma decisão melhor para a
população e para o país. É triste ver a guerra de narrativas, em que até um ou
outro medicamento vira alvo de disputa, e se deixa de lado a razão e a análise
imparcial dos fatos. O Brasil tem que abandonar essa baixeza de espírito, que
alcança de ignorantes sem estudo a ignorantes letrados.
Um ponto, para o qual não cabe maior defesa
no momento, mas que gostaria de rapidamente assinalar, pois é parte daquilo que
urge aperfeiçoar no país, é a questão do estatuto da Saúde. Penso que esta deva
ser entendida manifestamente como política de Estado, como salvaguarda da
salubridade e do bem-estar coletivo. Sou um adepto do estado mínimo, mas, como
sempre defendi, entendo que a saúde deva ser pública sim, universal e de alta
qualidade. Deve-se, entretanto, cortar a presença massiva do governo em várias
outras áreas, e deixar que a iniciativa privada faça o país crescer. Essa
crise, como disse, é um bom momento para reflexão, e, entre outras coisas,
mostra que o Estado tem seu papel, em especial como centro catalisador de
esforços de interesse estratégico, evitando a fragmentação excessiva da
sociedade e suas consequências. O público e o privado podem conviver em áreas
como saúde (porém, como disse, dentro de uma solução em que esta seja
essencialmente pública e sua concorrente se torne pouco atrativa frente esta),
educação, segurança e infra-estrutura (nestes casos, em sentido inverso,
resguardando recursos para investir naquela). Tudo isso com o cuidado de não
deixar que os corruptos e os desmiolados de sempre queiram transformar o Estado
em paquiderme. Ao governo cabe, além de coletar os impostos necessários à
manutenção de suas tarefas fundamentais e à sua própria existência, manter essencialmente
o papel de regulador.
Ademais, por ora, resta-nos rezar, para que
Deus ilumine nossos homens públicos e proteja todas as pessoas com a bondade
divina. De algum modo, seja com o surgimento de uma vacina, ou de outro
milagre, decerto Deus não deixará que, no desenrolar dos acontecimentos, o
mundo seja proibido, entre outras coisas, de ter os seus velhinhos e a sua tão
necessária sabedoria. E esperamos ainda que, após o sofrimento infligido, os
seres humanos entendamos melhor o que somos e aprendamos a ser mais humanos.