23 de abril de 2020

O Estrago da Covid é Maior do Que Deveria


O mundo está atravessando um momento muito duro, com esta nova pandemia, e a crueza dos acontecimentos, somada à extensão de seus danos, tem nos levado a fazer vários questionamentos. Tenho acompanhado conforme possível parte do noticiário e buscado compreender o que se passa. As variáveis são muitas e as questões numerosas, mas, a meu ver, uma das mais importantes diz respeito ao nível de letalidade e à busca por explicações para o seu elevado índice. A resposta é, em parte, singela, e me incomoda que especialistas, autoridades de saúde e demais atores da frente de batalha, falem muito, bem, e reiteradamente, sobre vários pontos relevantes, mas esqueçam de enfatizar justamente este. Falam-nos acerca dos cuidados necessários para se evitar a contaminação, sobre as implicações de uma aceleração no contágio, sobre a necessidade de se manterem receitas financeiras para custear o combate à peste, mas não são claros e objetivos - para não dizer, diretos - na explicação  do alto número de mortes, se o comparamos aos índices, por exemplo, de mortes por dengue ou influenza. Certamente esse fato não se deve apenas às diferenças entre as diversas cepas responsáveis por essas doenças. Pois bem, vi gente comemorando que, finalmente, o vírus igualara ricos e pobres, mas essa é apenas uma meia verdade, se olhamos atentos todo o espectro. O vírus não é brincadeira, se dissemina fácil e mata mais do que vários outros; mas o que tem contribuído fortemente para potencializar o número de mortes por covid-19 é certamente a falta de um bom tratamento para todos, ricos e pobres. Quem não tem recursos financeiros passa a contar quase exclusivamente com a sorte de receber um bom tratamento ou ser parte dos imunologicamente resistentes. Os figurões do Brasil e do mundo têm tido acesso a um bom tratamento precoce, a bons médicos, a boas estruturas hospitalares, a acompanhamento intensivo de seu quadro, e têm conseguido bons resultados (quando não há erros ou óbices relevantes em sua saúde), enquanto se verifica que muitos pobres têm morrido à mingua, como sabemos, sem diagnóstico eficaz, sem tratamento inicial consistente, em hospitais lotados - quando não abandonados à própria sorte - e contando basicamente com o esforço de médicos e enfermeiros, que, via de regra, têm trabalhado sob muita tensão e improviso.

Se queremos ver esse terrífico quadro minorado, urge, portanto que atentemos para os seguintes pontos; uma espécie de rota elementar e sinalizadora para, com decisão, se trilhar:

1.     Aperfeiçoar e potencializar um amplo sistema de diagnósticos;
2.    Definir - para ontem - o momento certo de agir, de iniciar o tratamento; o que deve se dar logo após o diagnóstico rápido;
3.    Procurar um jeito de oferecer medicamentos e estrutura hospitalar de qualidade aos pacientes, ou, no mínimo, suficiente, durante as internações e o tratamento;

Fácil? Não. Mas necessário. Um esforço homérico, sobretudo em um país que, nos últimos tempos, teve suas finanças destruídas. É preciso definir objetivos claros e persegui-los com determinação, sem conversa inútil, sem empáfia, mostrando que este país ainda tem esperança de ser alguma coisa neste mundo. É, portanto, preciso saber gastar os ralos recursos disponíveis - ou seja, gastar naquilo que fará diferença - e vigiar de perto as hienas das tragédias.

Aliada aos três pontos cruciais acima, temos a necessária busca por soluções viáveis para a questão do controle de fluxo das pessoas, que deve se dar de modo a manter o essencial, para que o país não desabe. Depois, é preciso continuar exigindo que a população tenha muita responsabilidade e faça rigorosamente a sua parte, sem que ninguém seja acusado de higienista ou hipocondríaco.

Outra necessidade é que as pessoas sejam republicanas, tenham urbanidade, e deixem questões políticas em segundo plano, no sentido de que estas não interfiram no que seja uma decisão melhor para a população e para o país. É triste ver a guerra de narrativas, em que até um ou outro medicamento vira alvo de disputa, e se deixa de lado a razão e a análise imparcial dos fatos. O Brasil tem que abandonar essa baixeza de espírito, que alcança de ignorantes sem estudo a ignorantes letrados.

Um ponto, para o qual não cabe maior defesa no momento, mas que gostaria de rapidamente assinalar, pois é parte daquilo que urge aperfeiçoar no país, é a questão do estatuto da Saúde. Penso que esta deva ser entendida manifestamente como política de Estado, como salvaguarda da salubridade e do bem-estar coletivo. Sou um adepto do estado mínimo, mas, como sempre defendi, entendo que a saúde deva ser pública sim, universal e de alta qualidade. Deve-se, entretanto, cortar a presença massiva do governo em várias outras áreas, e deixar que a iniciativa privada faça o país crescer. Essa crise, como disse, é um bom momento para reflexão, e, entre outras coisas, mostra que o Estado tem seu papel, em especial como centro catalisador de esforços de interesse estratégico, evitando a fragmentação excessiva da sociedade e suas consequências. O público e o privado podem conviver em áreas como saúde (porém, como disse, dentro de uma solução em que esta seja essencialmente pública e sua concorrente se torne pouco atrativa frente esta), educação, segurança e infra-estrutura (nestes casos, em sentido inverso, resguardando recursos para investir naquela). Tudo isso com o cuidado de não deixar que os corruptos e os desmiolados de sempre queiram transformar o Estado em paquiderme. Ao governo cabe, além de coletar os impostos necessários à manutenção de suas tarefas fundamentais e à sua própria existência, manter essencialmente o papel de regulador.

Ademais, por ora, resta-nos rezar, para que Deus ilumine nossos homens públicos e proteja todas as pessoas com a bondade divina. De algum modo, seja com o surgimento de uma vacina, ou de outro milagre, decerto Deus não deixará que, no desenrolar dos acontecimentos, o mundo seja proibido, entre outras coisas, de ter os seus velhinhos e a sua tão necessária sabedoria. E esperamos ainda que, após o sofrimento infligido, os seres humanos entendamos melhor o que somos e aprendamos a ser mais humanos.



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