18 de fevereiro de 2020

Protejam suas crianças



Segundo o dito popular, criança não vem com manual de instruções. É verdade. E a cada dia, a tarefa mais importante do homem -  criar os filhos - se torna mais difícil e pouco  satisfatória; justo a ação fundamental para a construção de uma sociedade equilibrada e educada. Não há como alimentar, portanto, esperanças e sublimes ambições sem que uma sociedade se encontre completamente imbuída de orientar e bem criar sua juventude, desde os anos iniciais até a sua entrada na vida adulta. Não é fácil, como se possa supor, pensar meios e expedientes para alcançar êxito nessa tarefa, mas é preciso que, pelo menos, entendamos sua relevância e sua urgência. Certamente, vemo-nos diante de um dilema, quando pensamos nesse tipo de necessidade: como criar bem os filhos, se somos pequenos, se não temos estatural moral nem visão abrangente, para, assim, servirmos-lhes de guia e de referência? A questão é ainda “como podemos oferecer o que não recebemos ou não reconhecemos?” Questão difícil, e para a qual a única saída é aproveitarmo-nos do conhecimento acumulado pelas gerações, de alguns rudimentos de ética e dos valores fundamentais que ainda conservamos, para procurar formas de melhor conduzir a criação e a educação de nossa juventude.

É necessário também perceber que, se uma sociedade está “doente”, mergulhada no que de pior a humanidade pode criar e oferecer, as maiores vítimas dela sempre serão os mais frágeis, o que põe as crianças, os jovens e as mulheres na linha de frente do sofrimento. E já passa da hora de os homens se melhorarem e enxergarem essa verdade óbvia. Portanto, se pensamos em algum futuro digno, ou grandioso, como dizem alguns, precisamos começar cuidando muito bem de nossas crianças.

Depois, é preciso perceber que o mundo moderno tem oferecido desafios que especialistas e entendidos, muitas vezes, interpretam de uma maneira redutora ou enviesada, avalisados por orientações teóricas e ideológicas pouco eficazes ou inapropriadas. Hoje, vivemos o domínio da comunicação em larga escala, do mundo virtual, em que os estímulos e a novidade trazem muitos problemas e poucas soluções humanizadoras. Se anteriormente a massa comum dos homens precisava interpretar um número mais limitado de estímulos, nos dias atuais, a avalanche de informações encontra um homem pouco preparado para lidar com essa realidade, que é encabeçada pelas mídias sociais e seguida de toda a comunicação de massa, com seus desafios inerentes. É certo, o homem vai precisar de tempo para encontrar o ponto de equilíbrio nesse novo mundo.

Para isso, ele precisa, então, lançar as sementes certas para colher os frutos desejados. Comecemos, deste modo, cuidando com responsabilidade e esmero de nossas crianças. Primeiro, é preciso entender que educação é coisa principalmente da família, e que pode sim receber contribuições da escola, quando boa; não é, porém, o que temos visto: a família se desintegra e as crianças sofrem o impacto, pois pouco ou nada são ouvidas a respeito do tema; os adultos esquecem de olhar pelos olhos delas; depois, a escola se vê perdida, inundada de teóricos ou de repetidores de excertos teóricos de que mal entendem, e ainda menos têm a visão de conjunto. É preciso, portanto, pensar a concepção de sociedade, de escola e de família, só para início de conversa. A pergunta é “quem pode fazer isso?”; parece que quem pode não é quem efetivamente tem feito.

No que tange à escola, o problema é terrível e de difícil solução, pois há tantas opiniões, correntes e palpites, que parece estar ela fadada à eterna confusão. Voltemos, pois, nossos olhos para o interior da família, em um de seus aspectos mais elementares, mas, creio, fundamental. Falo, agora, aos pais, em linguagem simples: pais, amem e cuidem de seus filhos; sejam pais, não amigos; na verdade, pais amigos. Mas atentem para não confundir amor e cuidado com superproteção, compensação ou desejo de agradar.

Fiquem atentos ao excesso de estímulos que a seus filhos permitem ou a que, diariamente, os submetem; não deixem que eles sofram, por exemplo, sabendo até os detalhes dos seus problemas; protejam sua emoção, crianças precisam disso, algo que os mais antigos faziam muito melhor que nós. Hoje não se poupam mais as crianças de sofrer com os dilemas e os problemas tipicamente adultos. Os pais, e muitos professores, expõem e descarregam inadvertidamente todo tipo de conflito e perversão humana no colo das crianças. Se fala sobre tudo, sem filtros, sem habilidade intelectual,  de modo a mergulhar muito cedo as crianças em um mundo avesso a sua natureza de jovens, leves para a vida. As crianças não têm estrutura para assimilar as maldades humanas, e isso será levado à vida adulta. Fala-se desnecessariamente e erroneamente de perdas, de violência, de sexo, do ódio ao outro, de drogas, de separação, etc. As crianças estão sendo obrigadas a ouvir, em casa e nas escolas, coisas que as deixam enrubescidas, confusas, porque cedo os adultos, em vez de pensar no bem estar das mesmas, querem trazê-las para si, ter ascendência sobre elas, seja politicamente, seja obrigando-as a aceitar suas difusas ideias, seja fazendo-as participar e apoiar seus dilemas. Triste, isso. A fixação agora é entregar um celular à criança ainda na sala de parto, e, assim colocá-la logo na modernidade, sem se perceber que, na verdade, o que se está fazendo é sobretudo descortinar um mundo adulto, perverso e complexo, para o qual ela não estará preparada, e expô-la a riscos de ordem psicológica e material. Hoje as crianças escutam “músicas” que envergonham muitos adultos, assistem a novelas impróprias lado a lado com os pais, a filmes e séries cheias de desvios e complexidades adultas, e até os desenhos começam a tratar crianças como miniadultos. É um processo muito difícil de frear, mas se pensarmos na família, se nos dedicarmos de algum modo a melhorar sua compreensão dessas coisas, talvez ela comece a redimensionar a forma como vai encaminhando os filhos até a fase adulta. Uma coisa é certa: criança é criança, e todo ser humano precisa viver cada fase da sua vida de forma apropriada e compatível; é uma tristeza ver crianças adultas ou idosos infantilizados. E isso é o que, de certo modo, está acontecendo. É preciso avaliar o nível, o ritmo e o tipo de acesso que as crianças podem ter em termos de informação, de experiências e até de bens materiais.

Difícil criar bem nossos filhos em uma sociedade problemática e hostil, mas temos que desejar criar seres humanos de alto nível, seja no terreno humano, seja no terreno intelectual. Ser pequeno já é fácil, e somos chamados a todo instante a isso, mas é preciso resistir. O futuro é sempre maior quando se resiste ao mal, seja uma pessoa, seja um país. É preciso fazer a coisa certa. É assim que se luta contra o mal. Senão, passamos para o seu lado, que precisa sim ser levado muito a sério e combatido com firmeza, pelo caminho pensado e certo. E muito do que temos visto acontecer na condução de nossas crianças é certamente ruim e reprovável, embora se trate muitas vezes de uma maldade inconsciente. Mas é preciso e possível acordar em tempo.

Nossas crianças merecem ser bem orientadas e amadas; a sociedade precisa delas bem encaminhadas, para ser boa e justa. E para que esse sonho aconteça, e evitemos o pesadelo, para nossos travessos e para o mundo, é preciso começar a corrigir a abordagem, sempre buscando fazê-lo de modo orgânico e sem artificialismos. Ou então aceitar que não há alternativa outra senão começar a desistir de vez da ideia de civilização.




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