10 de setembro de 2010

O Filme western: da violência– Parte 2

Anteriormente falamos acerca das qualidades básicas que inscrevem o gênero western no hall dos grandes gêneros cinematográficos. Nesta segunda parte, falaremos de uma de suas características que sempre foi alvo de crítica: a violência.

Em seus diversos estilos e formas, o western apresenta algumas características básicas que o definem enquanto gênero, chegando mesmo a constituir um estereótipo. Provavelmente estaremos diante de um western sempre que encontrarmos num mesmo filme pelo menos três dos elementos a seguir: 1.localização em espaços naturais amplos, 2.presença de pistoleiros, normalmente movimentando-se a cavalo, 3.cidades pequenas e poeirentas, com saloon, uma rua principal e uma delegacia, 4. presença de guerreiros índios e/ou exército. É forçoso admitir que este não é um esquema rígido ou completo. Há filmes como The treasure of the Sierra Madre (O tesouro de Sierra Madre), ou o moderno No country for Old Men (Onde os fracos não têm vez), que, por faltar com alguns dos itens acima, ora são considerados westerns, ora não, dependendo do analista. Um critério discricionário muitas vezes adotado é o de que a narrativa do western se passa em período e local específicos da história americana. Ora, se adotarmos apenas esse critério, filmes como Gone With the Wind (E o vento levou) poderão ser considerados western - e é como o classificam alguns.

O fato é que, se formos rigorosos no que diz respeito aos itens presentes num western, nenhum dos filmes acima pode assim ser considerado, embora não chegue a ser um despropósito classificá-los nesse gênero, pois apresentam muitas características westernianas.

Não vamos, entretanto, entrar nessa longa e difícil discussão, que nos levaria a acrescentar, provavelmente, filmes modernos, como Lone Star (Lonestar: a estrela solitária), ou Legends of the Fall (Lendas da Paixão), entre outros, no rol dos westerns.

Bem, falemos daquela característica, não mencionada na nossa breve lista de elementos do filme western. É a recorrência marcante do elemento solucionador de conflitos: a violência.

Aproveitando a referência aos filmes acima, podemos dizer que, sendo western ou não, todos os cinco filmes citados têm um grau de violência utilizado na solução dos conflitos. Se passearmos por outros gêneros como o drama, o filme de guerra, de ação, o filme noir, mesmo o filme de autor, de terror, o suspense, e até as comédias, perceberemos que, não raro, todos apresentam violência em maior ou menor grau, embora não a apresentem da forma como um filme western.

É fácil observar que o argumento de que a violência encerrada num filme western faz apologia a um recurso ultrapassado, e pode incutir ideias erradas nas pessoas, é injustificado, à luz do que vemos em outros gêneros e, principalmente, do que vemos no mundo real, para onde quer que viremos nosso focinho. Bom seria que não houvesse armas ou exércitos, bom seria que não houvesse a violência contra as minorias e os indefesos, bom seria que a violência psicológica e a opressão não existissem, mas, e isso é uma triste constatação, a violência sempre moveu o mundo dos homens, ou mesmo o mundo dos bichos. Sobreviver é admitir alguma violência.

Portanto, a violência surge nas guerras, nos conflitos urbanos, nos lares, no cinema, na literatura; com jovens, com idosos, com homens com mulheres; em casa, na rua, no trabalho, na escola, ou onde quer que possamos estar. Ela definiu os limites das nações e ainda é, embora haja quem não perceba, quem governa o mundo. Ela é última instância, quando quem prega contra ela se vê sem argumentos, sem alternativas. E o que é pior: raro é que alguém distribua flores no seu caminho, deixando-a como último recurso. Muito antes de todas as tentativas, quase todo o mundo recorre a ela, em uma de suas manifestações.

Talvez o que assuste as pessoas ao ver um western seja a semelhança com a realidade. Acompanhar todo o processo gerador imediato da violência. Nele, normalmente, indivíduos decidem seus destinos não como instituições, mas como seres humanos, cheios de defeitos, virtudes, inseguranças, e duramente resignados a seu destino inexorável de buscar sobreviver num mundo que os seleciona com base na sua capacidade de resistir às agruras. Este tipo de realismo é presente sobretudo no western de linha americana; já na linha europeia, muitas vezes a violência parece injustificada, porém desnuda um ser humano em sua essência e fragilidade, alguém cujo caráter quase absoluto está além de suas possibilidades. Alguém que transita entre o bem e o mal com desenvoltura. Aqui, a violência não apresenta o psicodelismo dos filmes de terror, ou a luta em defesa de instituições que não o reconhecem enquanto cidadão, como nos filmes de guerra. Nele, se exibe a trajetória de um herói quase sempre atormentado, sem fé nos homens ou nas instituições. Alguém que cria um código para viver e se mantém dentro dele até quando não mais puder.

Enfim, a violência apenas muda de forma, conforme os meios, a época e os envolvidos, mas ela resiste aos séculos, e, pior, tem se agravado, tomando proporções inimagináveis. No Country for Old Men (Onde os fracos não tem vez) denuncia essa violência. Tropa de Elite testemunha esta violência moderna e sem sentido. E tantos outros filmes tratam-na, por não ter como dela fugir. Não se há de fugir totalmente dela, nem do amor. Parece que o mundo, por alguma razão, precisa deles.

Não podemos deixar de concordar que o contato com a violência é algo danoso, principalmente para algumas pessoas, cuja visão é deturpada e não estão prontas para distinguir com segurança, por exemplo, ficção e realidade. Isso é mesmo, às vezes, bem difícil. Mas fugir do western não nos afasta da violência. Também não se pode negar o valor estético e moral de um gênero que trata de temas próprios da natureza humana. Aí não se fala de ETs ou fadas. Fala-se do homem, do ser humano, em sua trajetória incerta, em busca de solução para seus conflitos. E este sofrimento humano o western mostrou com propriedade e profundidade poucas vezes alcançadas no cinema.

Em suma, se este for o critério - o discutir-se apenas o que não revela o lado nefasto da alma humana - vamos ter que jogar fora muitos filmes, inclusive clássicos indiscutíveis, além de muitas outras coisas, principalmente algumas intrínsecas ao ser humano. Oxalá esse dia não demore. Por ora, resta-nos refletir sobre o que é o indivíduo e a sociedade. E, para isso, o western nos dá uma mãozinha.

 
 

Abaixo, um link para um trecho do western The Ox-Bow Incident (Consciências Mortas), em que a personagem principal, interpretada por Henry Fonda, lê a carta deixada por um enforcado à esposa. É o “Monólogo da Consciência”, um discurso claramente antiviolência e denunciando a consciência coletiva, que quase sempre condena, sem avaliar profundamente suas ações. Observe que Fonda fica com os olhos encobertos, numa referência à justiça. Observe as expressões nos rostos. Bem, isso é o western!

A carta:

"Minha esposa querida:
 Sr. Davies vai lhe contar

o que aconteceu aqui.

Ele é um homem bom e

fez tudo o que pôde por mim.

Havia outros homens bons também,

só que eles não percebiam o que estão fazendo.

É por eles que sinto pena,

porque quando isso acabar...

...eles se lembrarão

para o resto das suas vidas

Um homem não pode pegar a lei em suas

próprias mãos e enforcar pessoas...

...sem ferir

todos no mundo...

...porque eles não estarão violando

Só uma lei, mas todas as leis.

A lei é muito mais do que palavras

em um livro...

...ou juízes, advogados ou xerifes

Que você contrata para cuidar dela.

é tudo o que aprendemos sobre justiça...

...sobre o que é certo e errado.

É a verdadeira consciência do que é humanidade.

Não há civilização...

Se não houver consciência...

...porque as pessoas

Falam com Deus por sua consciência

E o que seria a consciência...

...senão um conjunto de consciências

de cada homem que viveu?

Acho que é tudo o que

Eu tenho que dizer, além, é claro...

...de mandar beijos para as crianças,

E pedir que Deus as abençoe.


Seu marido, Donald. "

O trecho acima, no youtube:


2 Comentários
Comentários

2 comentários:

E. SANCHES disse...

Grande mensagem desta cena e um grande achado por você que complementou sublimemente essa maravilhosa postagem abrangendo aspectos do velho oeste seja ele na América ou na Itália.
Sempre será apaixonante.
Parabéns.

Vinícius Lemarc disse...

Salve, Grande Mestre Edelzio!

Esta é uma imagem final de Lawman, que você conhece bem. É uma imagem que pareceu-me bem apropriada para o tema da postagem, por ser bem impactante. Estou devendo um pouco as postagens de western (e de todas) mas vou ver se essess dias posto a seguinte, da série. Western americano ou italiano, de um modo geral, são apaixonantes mesmo, e, afora os preconceitos bobos que se criaram, vejo uma certa revalorização do gênero acontecendo no meio cinematográfico, por influência da internet, graças ao excelente trabalho desenvolvido por um pessoal conhecedor da área. Esse é o seu caso.

Forte abraço!

Vinícius Lemarc

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