Como vimos, os fecundos anos 50 estabeleceram novos padrões para o
filme western, impulsionando de vez um processo que se caracterizou pelo aporte
enriquecedor de contribuições e reflexões oriundas de domínios até então
estranhos ao gênero. O western viu alargar-se, então, consideravelmente, sua
área de atuação, firmando as condições ideais para que os limites criativos que
se impunham, pela rígida observância do padrão clássico, pudessem ser
suplantados, o que lhe permitiu alcançar certa robustez artística e contornos antes
talvez inimagináveis. Todo o experimentalismo pôde ter lugar, e o estatuto
precedente, antes tido como incontestável, passou a ser questionado e discutido
por um grupo de realizadores ansioso pela inovação, inclusive inspirado que
estava nos ideais de liberdade de expressão, fosse essa política ou artística, que
começavam a dominar com força inédita a cena cultural neste lado do mundo.
Em que pese o êxito obtido, nos anos finais daquele decênio, o gênero começou
a dar sinais de esgotamento e a América viu surgir no início da década seguinte
um novo tipo de western, decadente e pessimista, que teve como principais
representantes The Man Who Shot Liberty
Valance/1962 (O homem que matou o
facínora), o último grande western do mestre Ford, e, provavelmente, o
último grande filme do diretor, e Ride
the High Country/1962 (Pistoleiros do
Entardecer), de Sam Peckinpah.
Rand Scott e McCrea, velhos pistoleiros unidos até a última bala |
James Stewart, o maestro John Ford e o velho Duke relaxando no set de The Man Who Shot Liberty Valance |
Embora retratando com acentuado pessimismo e considerável senso social e político o fim de uma época, de um modo de vida, os filmes que seguiram essa linha, se considerarmos algum determinismo a envolver os acontecimentos e tivermos a mudança como uma espécie de lei natural, podem ser vistos com um sentimento de êxito, pois, se na vida consuetudinária se perdia algo, e talvez para sempre, ali, como em muitos domínios e em toda a cultura, o gênero poderia aproveitar a oportunidade do novo filão para contribuir na produção e na elevação do western rumo a um tipo de virtuosismo que se veria nos anos e nas décadas seguintes. Butch Cassidy and Sundance Kid/1969, The Shootist/1976 (O último Pistoleiro), Tom Horn/1980 e The Unforgiven/1992 (Os Imperdoáveis) testemunham isso. Aí, o ponto de turbidez se encontra no desesperançado limiar de uma era de puerilidade, no gênero, no cinema e, por que não dizer, em toda a cultura. Não por acaso, muitos filmes inscritos nesse novo espírito foram mal recebidos, sobretudo pelo público, com algumas poucas exceções, como o ulterior The Unforgiven, que experimentou um sucesso retumbante, sendo inclusive agraciado como o Oscar pela academia. Esse tipo de western melancólico é comumente chamado Crepuscular, justamente por testemunhar o ocaso não apenas de uma época e do valor de suas referências, mas também do próprio gênero.
Ao lado dessa tendência, e muitas vezes confundido com ela, surge, ainda,
fortemente influenciado pela escola italiana, o Western Desmistificador,
que esquiva-se ao postulado central da doutrina do maniqueu, e rompe com o
modelo que, se não exclusivo, sempre dominara o “western pedagógico” e de linha
americana. Cumpre ressaltar que essas várias tendências apresentadas pelo
gênero não se excluem, ou constituem propriamente um antagonismo; elas convivem
e se complementam em uma nova e mais complexa interpretação da natureza e do
papel do homem em sua relação com a realidade circundante, explorando sua
angústia e suas limitações, por meio de personagens os mais diversos, que passam
pelo herói, pelo anti-herói, chegando ao homem mais raso e comum, como se pode
observar sem grandes dificuldades em filmes de feição experimental como Ride in the Whirlwind/1965 (A vingança
de um Pistoleiro), de Monte Hellman.
Cheyenne Autumn: John Ford ameniza sua culpa com os índios |
Richard Harris tornando-se um bravo guerreiro Sioux |
Assim foi que nos anos 60 essas vertentes se juntaram em convívio com outras duas, precedentes, e outra, nova, que recebeu a denominação de Western Profissional, e que influenciou e foi largamente influenciada pelo estilo europeu de retratar a mitologia do oeste americano (o western peninsular será abordado especialmente na próxima postagem e tratará não apenas dos anos 60, mas ainda dos anos 70 e de alguns filmes dispersos). Uma das duas primeiras vertentes trata-se do estilo clássico, que, àquela altura, perdera muito do seu espaço, mesmo apostando em figuras de peso com o rei dos cowboys, John Wayne, em filmes como The Comancheros/1961 (Os Comancheros) ou True Grit/1969 (Bravura Indômita), que rendeu ao velho Duke o único Oscar de sua carreira. A Outra tendência, iniciada na década precedente, com filmes como Broken Arrow/1950 (Flechas de fogo), e que retrata o índio de maneira menos preconceituosa, mais humanizada e próxima da sua real condição, interessando-se por sua visão do conflito e pela lenta agonia que o dilacera diante da irremediável perda de seu paraíso, pode ser denominada Western Revisionista. Essa tendência ganhou grande força sobretudo nos anos 70, com filmes importantes como The Man Called Horse/1970 (Um homem Chamado Cavalo). Em Cheyenne Autumn/1964 (Crepúsculo de uma Raça), John Ford procura redimir-se junto a suas maiores vítimas nas telas, os índios, pavimentando o caminho para a década seguinte, que vivenciaria experiências inovadoras e uma visão já bastante modificada do gênero, e que, além da trilogia estrelada por Richard Harris, encerrada apenas em 1983, com Triumphs of a Man Called Horse (O Triunfo de um Homem Chamado Cavalo), legaria filmes importantes, como Little Big Man/1970 (Pequeno Grande Homem), de Arthur Penn, ou o adorável Soldier Blue/1970 (Quando é Preciso Ser Homem), de Ralph Nelson, alcançando, ao curso de cerca de quatro décadas, um brilhante coroamento, tanto da linha quanto do próprio gênero, ao receber, em 1991, o oscar por Dances With Wolves (Dança com Lobos) de Kevin Kostner.
Nos anos 60 a grande novidade foi a afirmação do western europeu e a
consequente valorização da violência dramática enquanto espetáculo em si mesmo.
Em um ambiente político de guerra fria, que levaria tropas americanas a
envolver-se em conflitos como o do Vietnã, e com uma crescente oposição da
opinião pública mundial, e especialmente da própria América, ao belicismo que
amedrontava o mundo, a seu modo, o western assimilou essas influências e
tornou-se, em certo sentido, um registro local do sentimento que permeava a
ansiedade coletiva. É, portanto, nesse
contexto agitado que surge nos EUA o Western
Profissional, que abandona a ideia do herói solitário em favor da ideia de coletividade.
Atuando como forças especiais de combate, baseadas no companheirismo e na
atribuição de funções específicas para cada membro do grupo, os novos heróis conseguem
potencializar suas chances de êxito diante de tarefas realmente desafiadoras. Estes
semideuses não são propriamente heróis, mas homens dispostos a cumprir com perícia
o que encaram como trabalho, seja ele minimamente digno ou não. São verdadeiros
profissionais, hábeis no que fazem e cujo percurso reserva pouco espaço para a
nobreza que não seja a de safar-se para receber o salário combinado. Os dois
grandes representantes dessa tendência são The
Magnificent Seven/1960 (Sete homens e
um Destino), que, desde Kurosawa, já ensaia uma nova versão, prevista para
2017, e The Wild Bunch/1969 (Meu Ódio Será Sua Herança), a obra-prima
do poeta da violência, Sam Peckinpah.
Nesta década, o que chama atenção, porém, de um modo geral, é o
esforço de desconstrução dos cânones do western clássico, que, além de ampliar
a temática do gênero, de revisitar velhos conceitos e rearranjá-los, sedimenta
a figura do herói atormentado e imperfeito, que não é mais herói nem vilão, mas
apenas humano. Sem entrar em discussões de mérito, diria que estava, então,
aberto e abreviado o caminho para a decadência do gênero, que não tardou a se
dar. Mas esse percurso um tanto desolador será enfocado apenas em ocasião
posterior, e, como estamos caminhando para o final do texto, faremos agora um
breve comentário sobre o western na televisão e sobre o western B, para, depois,
encerrar, comentando um pouco acerca de alguns dos principais westerns do
período.
Audie Murphy, em Apache Rifles |
A televisão, nos anos 60, conseguiu algumas vitórias importantes em sua batalha particular contra o cinema. Duas inovações foram decisivas para esse êxito: o aumento da duração das séries para 60 e 90 minutos e o uso do colorido, iniciado em 1959 com a série Bonanza. Outro fato relevante é que a TV começou a exibir filmes feitos originariamente para o cinema, forçando este a concorrer, de certo modo, consigo mesmo, mas com a desvantagem de, ao contrário do cinema, o espectador poder assistir a filmes de qualidade do sofá de sua casa. Também, nesse período, ela começou a produzir seus próprios filmes, como Stranger on the Run/1967 (A Caçada), este com o experiente cowboy Henry Fonda. Quanto às séries, o sucesso era garantido, embora elas não tivessem sequer se aproximado do mesmo tipo de desenvolvimento que sofrera o western A, sobretudo no que tange à temática. The Virginian (O Homem da Virgínia) e Daniel Bonne, com Fess Parker, foram duas das séries de maior sucesso da televisão, na década. Já os filmes B continuaram sendo produzidos, muitos deles com qualidade bastante razoável. Tal é o caso de Apache Rifles/1964 (Rifles Apaches), com Audie Murphy e A Distant Trumpet/1964 (Um Clarim ao Longe), do veterano Raoul Walsh.
Enfim, impulsionado pelo ambiente político e pela urgência de fazer
frente à invasão Made in Italy, o
western americano conseguiu ter uma década prolífica, não comparável de modo
algum à anterior, mas, ainda assim, apresentando filmes que se tornaram
clássicos do gênero e do cinema mundial, como The Man Who Shot Liberty Valance e The Wild Bunch. Abaixo temos um pequeno comentário acerca destas
obras e sobre mais três, escolhidas quase ao acaso.
1.The Man Liberty Valence (O
Homem que Matou o Facínora)
Western crepuscular com feição clássica, o que talvez se deva ao fato
de ter sido dirigido pelo mestre do western clássico, John Ford. Do querido
rabugento, é meu western preferido, uma escolha difícil. É o relato lúgubre e
homenageoso do fim de uma época, de um tipo de homem, e do ocaso do próprio
gênero. A história se passa na pequena Shinbone, uma cidadezinha do Colorado,
e, em superfície, narra a história da turbulenta amizade entre Ranson Stoddard
(James Stewart), um jovem advogado legalista, e Tom Doniphon (John Wayne), um
homem prático, guiado pelo senso de honra e de dignidade pessoal. Os
antagonismos são muitos deles sutis e sempre muito ricos, deem-se entre os
protagonistas, pelo amor de uma mulher, surjam no embate entre as visões de
mundo que, se num instante os afasta, acaba por revelar uma admiração mútua, ancorada
no tipo de convicção muito próprio de cada personagem. Sendo pedante, diria
tratar-se de um western seminal do gênero, indispensável para qualquer cinéfilo
que se preze. No final, uma frase resume o que é o gênero, a arte e a própria história:
“no oeste, quando a realidade se converte em lenda, publicamos a lenda”.
Clássico um pouco mais ingênuo do gênero, mas nem por isso menos
importante. Inscreve-se no grupo dos westerns profissionais. O filme narra a
história de um grupo de mercenários liderados magnificamente pelo pistoleiro
Chris (Yul Brynner), que intercede a soldo na defesa de uma comunidade de camponeses
mexicanos atormentada pelo inescrupuloso bando de Calvera, interpretado pelo
inesquecível Eli Wallach. Apesar do roteiro relativamente simples, diálogos,
interpretações, música, confrontos inusitados e ação competente, além de um respeitável
e entrosado cast, são ingredientes que
garantem o espetáculo neste que se tornou um dos mais queridos filmes do gênero
junto ao público.
3. One-Eyed Jacks (A Face
Oculta)
Brando não fez muitos western, mas principalmente não fez nenhum que
fosse muito mau. Neste, um detalhe chama a atenção: o diretor foi o próprio
ator, que se desentendeu com Stanley Kubrick, quando este apenas iniciava as
filmagens, acabando por substituí-lo. Foram muitos os problemas aí, e, talvez
por isso, Brando tenha desistido de seguir carreira como diretor, situação
semelhante à de John Wayne, com O Álamo. No experimento Brando não é exatamente
convencional, e chamam atenção coisas como o mar compondo as cenas, algo
incomum no gênero. Apesar dos percalços na realização, o que poderia prejudicá-lo,
One-Eyed Jacks tornou-se cultuado
pelos amantes do gênero, chegando ao status de clássico. O longa (que na versão
do diretor tinha 3 horas de duração) conta a história de dois assaltantes que
fogem após um roubo e um deles, Dad (Karl Maden), trai o companheiro, Rio,
vivido por Brando. O resto da história é sobre vingança. Rio, foge após anos de
prisão, e encontra seu ex-amigo com a estrela respeitável de xerife, na cidade
de Sonora, o que parece dificultar sua missão. Mas as coisas conseguem se
complicar um pouco mais quando Rio se apaixona pela enteada de seu inimigo,
Louisa (Pina Pellicer).
4. Ride in the Whirlwind (A
Vingança de um Pistoleiro)
Este não parece ser um dos mais amados filmes na massa de amantes do
gênero, o que não o impediu de tornar-se cultuado. Trata-se de um western sui generis, e que põe pessoas comuns,
simples vaqueiros, como vítimas das circunstâncias, acusados de cometer crimes,
sem qualquer chance de esclarecer os fatos. Confundidos com integrantes de um
bando de malfeitores, os protagonistas, que, diferente do usual no gênero, não
são revestidos de qualquer dimensão heroica, têm que lutar para sobreviver à
implacável perseguição dos agentes da lei. É um filme feito com apenas um
punhado de dólares, mas conduzido pela habilidade de Monte Hellman e de um
pequeno e competente grupo de atores que se reuniu para uma espécie de retiro
cinematográfico no deserto de Utah, Kanab, do qual resultou ainda o estrambótico
e cheio de estilo The Shooting/1966
(Disparo para Matar). O ritmo lento e a constância da narrativa talvez expliquem
parte do descaso do público para com Ride
in the Whirlwind, mas, sem dúvida, trata-se de uma película que merece ser
vista por quem deseja conhecer um pouco mais do gênero e de sua história.
5. The Wild Bunch (Meu Ódio
será Sua Herança)
Após realizar um grande assalto à companhia de trens, um grupo de veteranos
assaltantes foge para o México. Conseguindo desvencilhar-se dos caçadores de
recompensa, a horda chega a seu destino e vê-se mergulhada em plena Revolução
Mexicana. Sob a encomenda do General Mapache, logo os bandoleiros realizam um
novo assalto, que esperam possa lhes assegurar uma boa aposentadoria em ouro, uma
vez que a tentativa anterior lhes havia legado as mãos vazias. Após algumas
peripécias, Angel, um dos membros da gangue selvagem, é feito prisioneiro do
General Mapache. Após discutir seu destino, o grupo decide pela redenção, tentando
resgatar em um banho de sangue o seu companheiro. The Wild Bunch tem elementos de western crepuscular, de western
profissional e de western italiano, especialmente influências da linha zapata.
As cenas de violência são coreografadas e mostram em câmera lenta toda a
brutalidade dos corpos sendo dilacerados pela saraivada de tiros. Alguns veem
nisso, novamente, uma denúncia dos conflitos armados, especialmente no Vietnã, obsessão
que, em Hollywood, espantaria se fosse diferente.
Os filmes são muitos e não cabe comentar muitos mais aqui, por isso, acrescento uma pequena lista para os jovens desbravadores, com alguns dos filmes que valem a pena assistir, mesmo que para simples diversão. Comecemos com o épico How the West Was Won/1962 (A Conquista do Oeste), de elenco estelar e sob a batuta de quatro diretores diferentes; seguimos com Lonely Are the Brave/1962 (Sua Última Façanha), Hombre/1967, Custer of the West/1967 (Os Bravos Não se Rendem), The Alamo/1960 (O Álamo), Two Rode Together/1961 (Terra Bruta), The Appaloosa/1966 (Sangue em Sonora), Rio Conchos/1964, McLintock!/1963 (Quando um Homem é Homem), Shenandoah/1965, The Professionals/ 1966 (Os Profissionais), Will Penny/1968 (...E o Bravo Ficou Só), Butch Cassidy and the Sundance Kid/1969 (Butch Cassidy), Mackenna's Gold/1969 (O Ouro de Mackenna) até True Grit/1969 (Bravura Indômita).