O
vento tem só manquejado. A casta leviatã - e mãe do caos - habita toda a
paisagem, embora tenha preferência em rastear ao largo, para proliferar, em
quantidade e vitupério. Ela governa um reino perdido, muito distante, muito
distante mesmo de quase tudo aprazível, dos bosques e ribeiras que ofertam os
melhores frutos doces e apetecíveis. Seus habitantes, os serandalhas.
Eles?...
andam todas as ruas e passagens com o som de suas carroças no último volume,
tocando uma música quase sempre ordinariamente serandalhesca, e com graves
distorcidos e alto-falantes rachando versos impublicáveis.
Desfilam
coxeando com as bochechas muito redondas, quase a derramar a boca cheia de
palavrões naturais, de usar no trânsito, no jogo dos seus times, no quarto, em
meio a todos no botequim, na trilha e em qualquer outro lugar, público ou
privado.
Quando
vão à beira do rio ou do mar, levam uma fiada de filhotes mal instruídos para
comer farofas que descem pelo canto da boca e pelo corpo seminu, e seguem sujando
a terra toda de restos em vidro e plástico. Todo serandalha que se preza sempre
tem um bombonzinho que seja no bolso para jogar o papel no chão, ou colar a
goma em algum lugar, de preferência assentos públicos.
Ele
está em todo lugar, mas habita preferencialmente as bordas das construções,
calçadas e sombras de árvores, sem desconfiar que existem tantos bons livro que
se poderiam ler, sem notar aquela boa canção folclórica ou erudita, sem lembrar
de praticar um esporte por saúde ou bom lazer, que plantas adoram cuidados. Nada
realmente útil constroem, entretidos que vivem entre histórias escabrosas e virtuais,
muitas vezes de outros serandalhas, geralmente que parecem ameaçá-los, ou um ou
mais dois temas pouco úteis, inclusive porque nunca os compreenderam.
Serandalhas
andam feito bichos pelas ruas, xingando todos que não obedecem à sua lei
particular, prontos para se matar como bestas, por uma preferência qualquer, ou
indignados com alguém que passeia devagar, com responsabilidade. Para um serandalha,
tudo é motivo de injúria e de agressão, como se isso não denunciasse sua fraqueza
típica, até envasar uma boa prensa e agradecer pelo tempo de descobrir-se, por
ralos instantes, apenas atoleimado. Eles acreditam com simplicidade quase
ingênua na violência civil como se ela mais resolvesse que criasse problemas.
Entre
seus deploráveis hábitos, o desmiolado também escolhe seus líderes como a
salvaguardar seu estatuto de serandalha, promíscuo, a definhar a espécie. Troca
seu beneplácito até por um charuto ou por um gole psicodisléptico. É, permitam
o palavrório, deveras um monstro multicefálico de cérebro ausente.
Sua
classe é aficionada por futilidades novelescas, batalhas esportivas manipuladas
e todo tipo de embuste vendido como se fosse de graça pelos gurus da massa
serandalha, que lucram rios com isso, sem se importar com os prejuízos sociais e
financeiros que causam para o seu próprio reino.
Se
pode facilmente reconhecer um espécime, pois ele sempre dá um jeito de furar a
fila, de pisar a grama, de jogar lixo no quintal do vizinho, de emporcalhar as
ruas, e não raro são vistos até se reproduzindo em público. Também não é
difícil encontrá-los desrespeitando os direitos de ir, de vir e de ser de
outros exemplares, com dejetos e gestos. Vivem falando alto coisas sem muito
nexo; às vezes, promovem festas de mau gosto, ocupando e sujando ruas e os
caminhos comuns. Mas o mais comum é que eles simplesmente boiam, vagando por seus
caminhos há muito gastos.
Mas,
a bem da verdade, ao cabo, os serandalhas são vítimas, principalmente de si
mesmos e de outros serandalhas; todos se comportam como se fossem dobuanos
melanésios, a servir gentilmente veneno entre si. Serandalha que é serandalha
não perdoa ninguém, serandalha ou não. E cedo os pais serandalhas ensinam a
seus tenros filhos como ser mais um da estirpe a ter sucesso.
Uma
minoria que não é dessa classe pensou em educá-la para renovar o reino, mas
desistiu. Os serandalhas não compreendem o que lhes falam. São péssimos
ouvintes, além de mal falantes. Outros já propuseram exterminá-los, mas com
isso quase ninguém concordou, não assim, como queima de arquivo, e porque desse
jeito é coisa de serandalha.
A
cultura serandalha não cobra patente, qualquer um pode cortejar seus usos e
costumes, isso porque ela é tentadora; para alguns, deliciosamente fácil e
tentadora. Mas o certo que não se discute é que seu reino nunca progredirá ou será
admirado e respeitado pelos outros reinos, enquanto não se ultrapassar a
cultura serandalha.