2 de junho de 2012

Pequena receita de felicidade


Tirar sozinho o prêmio de um bilhete? Não. De nada adianta morar no paraíso se ele está morto em você. Fortuna, como o sucesso, qual sejam, só podem ser realmente úteis como parte, nunca o todo. A felicidade é construção que principia no abismo do ser,e eterno miserável aquele que a procura após si. E as melhores coisas não se compram. Mesmo um pobretão as pode ter. Felicidade é uma delas.  A principal. Cada vez menos pessoas acreditam ou entendem isso. Não percebem que o ar não é a fumaça nele impregnada. Pior. Os jovens se contaminaram facilmente com a descrença, e entregaram-se à ideia da inevitabilidade de todo o mal. Prenunciam um futuro sórdido. Sem as esperanças que movem o homem e o justificam. Afinal, são eles os escritores do amanhã. Fujamos, pois, à corrida que nos rouba da vida. E a vida. Reorganizemos as prioridades humanas... Não guardemos as cuecas na gaveta dos talheres.

É preciso mais que trilhar o caminho. É preciso abri-lo. Fazer a picada. Às vezes tirando pedras enormes de adiante. Mas se um passar, outros passarão.

Não existe uma forma só de ser feliz, e a felicidade nunca terá a pureza de uma gema ou a constância das marés. Mas não há objeção a que, mesmo com todo o auxílio, dos poetas, ou dos desejos, não sabemos o que é, e como ser feliz. A vida foi entregue quase toda aos afazeres da lida, do trabalho diário que nos enfiaram pela mente, como se fosse isso viver. Construir a realidade é a razão essencial do trabalho; e é verdade que essa constrói o homem quando por ele construída. Mas viver é ainda mais! Não é tão claro quanto parece óbvio o truísmo de que precisamos de dinheiro para sobreviver. Essa obviedade quem criou foi o modo de vida. Mas ela está aí, existe. Sim, existe. Mas sobre a faina louca pesa que ela arrestou quase todo o tempo. E o melhor. O tempo de luz e de cores.

É preciso alargar e reformar o tempo de viver com os que amamos; mas não o tempo frívolo do boteco. E para tal, é preciso antes educar as pessoas para a vida, o que a estulta escola não faz. Que se encontre jeito. Trabalhar é sobreviver, produzir é viver, amar é ser feliz; e amar não é uma teoria no vazio, é um verbo de ação, de coração, que exige que se construa uma vida de alegrias, junto, com quem amamos; uma vida que passará mais gostosa, mais como correnteza, que não retorna para se desvelar, e que, ao fim da caminhada, nos deixará felizes e orgulhosos de nós mesmos, certos de que talhamos a vereda para o futuro. Isso, porém, não é algo assim tão simples. Impõe muita ousadia e coragem.

Mas o flagelo do homem não lhe suprime a necessidade de aprender a viver, de aprender ser feliz. Antes, a reclama. Comece pondo óculos positivos para enxergar a vida; ou melhor, vista roupa leve de mergulho e se engolfe nela. Acenda suas luzes para alumiar os recantos esquecidos e fazer a fotossíntese humana que revigora e fortalece. Se esforce por dar mais atenção às coisas e às pessoas da sua vida. As que realmente valem, e, portanto, merecem. Já as que lhe fazem mal, ou não o querem venturoso, faça-as o menor que puder em seu mundo. Só lembre delas quando não as puder esquecer. Treine isso. Não há jeito melhor de aprender. Mas, apesar de esquivar-se às pessoas falsas, que não sabem amar, mantendo com elas apenas o contato mínimo indispensável, ainda assim, tente ser uma pessoa íntegra e honesta, inclusive com elas... Trate as pessoas com a educação que muitas vezes elas não têm.

Acautele-se dos intelectuais, ou do intelectualismo afetado. O sábio de Rotterdam nos ensinou que costumam estragar qualquer festa. Não me convide, portanto, para o seu banquete... A meu favor apenas que sou frugal e sei apreciar.  Mas se insistir na imprudência, o importante é que no mínimo tenha-se-lhe por diante um dos que sabem acatar os outros e as diferenças.

Seja simples. Não há felicidade onde não há contentamento e simplicidade. Por isso, a natureza nos fez limitados. Somos iguais em nossa humanidade. Querer ser mais do que podemos ser nos angustia e apequena. Os anos ficaram encarregados de nos restituir pelo menos alguma decência de que nos tenhamos furtado nos anos de outrora e a consciência de nós mesmos quando nos vai tirando lentamente e sob nossos olhos a possibilidade de fazer as coisas mais simples da vida.

E nunca descuide que amor é sensação necessitada de ação para virar amar!

Portanto, compre bicicleta, tênis, roupa de ginástica, e vá passear no parque, na praça. Junto. Você e seu parceiro de caminhada; ou você e seus amores. Esposa, filhos... Parem um pouco para uma água de coco e umas palavras soltas.

Viajem, vão pescar. Ou joguem videogame, na opção human versus human.

Que tal ir de mãos dadas ao cinema? As formas de se dar as mãos são afetos mudos. E, se puder, não deixe de criar também em casa um ambiente exclusivo para momentos de diversão em família, ou a dois, um “cinema caseiro”, cheio de invencionices e cuidados, exageradamente enfeitado. Ou nem tanto. Conforme a paixão pelos filmes de romance, ficção, arte, infantis, terror, bang bang..., que se decorem travesseiros e tapetes de personagens, que se ponham quadros, pelúcias, bibelôs... Dá até pra desvairar um pouco mais em brincadeiras baseadas nas histórias.  Quem sabe, criar a minirrádio da família, para animar a programação, com música temática e opiniões e trívias improvisadas. Vez por outra, faça sessões especiais, e convide gente legal. Sobrinhos, netos, numa coisa bem família, e ninguém que crie tensão. Combinem a lista de convivas.

Aproveite o jardim, o quintal, uma árvore, a calçada, ou outro ambiente da casa, para se distrair com coisas banais, como contar piadas, causos, versos, tocar e cantar juntos.

Leiam bons livros em companhia uns dos outros. Escutem boa música, largados pelo chão. Dividam algumas tarefas em casa. Cuidem do seu oásis. Não necessita tanto dinheiro para criar seu paraíso; se precisa muito mais de imaginação. Lavem juntos os pratos do jantar, desafinem no karaokê, deem aquela festa em família, cheia de criatividade. Até os machões tímidos vão gostar. Mulheres, encontrem para esses padecentes coisas mais leves e menos invasivas; pairam-nos uma segunda vez, façam-nos rebentar e finalmente nascer.

Que tal cozinhar a duas mãos? Fazer a maior bagunça na cozinha! Ou Jogar tênis, gamão, banco, futebol...?

Façam compras juntos. As mulheres se ressentem nessas horas da ausência da opinião de quem amam. Por que reproduzir essa tolice de que fazer compras com mulher é chato? Dividam de verdade, sem vergonhas, esse momento. Ele não tem nada de errado. Uma coisa sempre se torna chata se estamos predispostos a vê-la como chata.

Encontre também pequenas distrações para seu deleite. Ache o tempo de se amar. O seu momento. Um banho longo e tonificante. Já pensou em colecionar alguma coisa? Passar horas organizando, limpando, alguma coisa especial, desde que não vire vício a atrapalhar os relacionamentos, é formidável. Mas, fique atento! Evite coisas tipo passar tempo demais ao computador e à internet, afogando-se de inutilidades. Torne o tempo útil e produtivo. Uma boa leitura, rabiscar alguma coisa, brincar com os filhos... Evite dedicar todos os seus fins de semana ao trabalho, mesmo que ele seja muito prazeroso; lembre que ele é seu, mas não é dos seus filhos, da sua esposa... enfim, das pessoas próximas de você.

Não perca seu tempo sendo infeliz, como muitos, pelas calçadas, nos bares, ruminando desgostos e vertendo ódio disfarçado, se entupindo de bebidas, criadas para enriquecer alguns e enganar de felicidade milhões. Esses vegetam com o coração cheio de amargura, tentando enganar a si e aos outros.

Descubra que proteger suas crias, mulher ou esposo, quaisquer que sejam os motivos, como resguardar dos olhos ímpios do mundo, não é prendê-los em casa. Isso não ajuda ninguém a ser ditoso. Pássaros em gaiolas nunca terão o canto belo dos que enfrentam os perigos de ver a luz e de singrar a brisa refrescante.

Não maltrate seus filhos. Nunca olhe com dureza no coração para os olhos de uma criança. Ame-os. Eduque-os. Um homem cruel com os filhos os deixa acuados, apaga-lhes o brilho do olhar e a crença na vida; à mulher, arranca fundo a alma e a alegria, por nada poder fazer em defesa de quem mais ama.

Seja econômico nas brigas. Principalmente por coisas materiais, como um sofá novo, ou aquele item raro de coleção. Não espere para aprender que elas nunca terão o valor das pessoas da sua vida.

Fuja dos vícios. Até da aparentemente inofensiva linguagem rasteira. Eles roubam tudo que alguém tem de melhor. São catapultas que parecem divertir quando nos atiram para o alto; porém, só funcionam com usuários sem paraquedas. E os aventureiros devem ter certeza de que sabem voar e sempre ser lançados convictos de que podem voltar atrás.

Um detalhe é essencial: mesmo escolhido, dê grande importância a suas escolhas. Em especial a da pessoa com quem você vai dividir os anos e os sonhos. Seja cauteloso e seletivo. Atente para a conversa. Afinal, vocês terão que conversar por anos a fio. As palavras são anjos ou demônios capazes de levar ao céu ou ao inferno.

Não esqueça de cuidar para os detalhes. São justamente eles que farão diferença a cada novo dia. Procure pessoas com qualidades que possa admirar, e em que possa confiar. E cultive isso em você. A admiração nos faz viajar no outro. A ausência de confiança abre a porta ao sofrimento. E a faça perceber que, se o seu problema é problema dela, o problema dela é o seu problema.

Aprenda ainda a ouvir os pedidos de socorro nos olhos de quem ama. E se permita conhecer o amor. Não passe pela vida com coisas que se parecem com ele, mas que não são ele. Tenha pressa. Não deixe isso para amanhã. O amanhã você não o conhece.

E nunca dê ouvido à língua dos alienados que pensam ser você o alienado. Carregue sempre consigo uma cópia desta receita. E dê uma cópia a eles. Quem sabe eles não desalienam. Se não, pelo menos ficarão cheios de vergonha íntima de si mesmos.
Seja o esperto. Seja feliz!



2 Comentários
Comentários

2 comentários:

Regina Del Buono disse...

Vini, adorei, simplesmente adorei!

Profundo!

Abraço.

Regina

Vinícius Lemarc disse...

Oi, Regina!

Que bom tê-la passeando por aqui. E que bom também que você gostou do texto. Tenho tentado usar este espaço para falar de coisas boas. Em meio ao momento que vivemos com tantas coisas pouco úteis ou nobres, um texto que fale de alguma esperança é um alívio que todos podemos ter. E não tenho dúvida de que o mundo não é melhor porque as pessoas abandonaram quase toda a esperança. Estão erradas. Perfeito nunca, mas pode ser muito melhor. Só que exige visão, objetivo e muita coragem.

Um grande abraço!

Lemarc

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