7 de janeiro de 2012

Fé e materialismo: apontamentos

Obs: trecho resumo de parte de outros escritos e considerações mais detidas e amiudadas.

Desde tempos remotos, o homem procura compreender o mundo e a própria existência, acalmar o espírito por meio de uma explicação minimamente plausível de sua presença no universo e do que isso significa. É claro que

em termos mais específicos poucas são as pessoas que se debruçaram mais detidamente na análise do problema, restando a uma imensa maioria escassa ou nenhuma reflexão própria de teor mais escrupuloso sobre a questão. Ainda na pré-história há registros em arte rupestre que indicam ser então o homem analista da própria condição. E, após milhões de anos, filósofos e teólogos esboçaram teorias e explicações sobre uma possível metafísica da vida.

Nessa busca pouco frutífera, e em que se misturaram aspectos alheios à essência do objeto a que sempre se buscou, um dos desenvolvimentos mais notáveis foi o surgimento das diversas religiões por todas as partes do mundo, com gênese e evolução particulares, diretamente ligadas à história de cada povo ou região.

De uma maneira geral, essas religiões acabaram por forjar cânones morais e de conduta ética para as respectivas sociedades, ditas ou não civilizadas. Outro desdobramento que oportunamente se forjou ao largo do tempo por interveniência de quem detinha o poder com o fito de manter a ordem estabelecida foi o uso político das mesmas.

Assim foi que a religião passou a ter um papel da mais alta relevância na construção de práticas e modelos sociais, geralmente conservadores, o que não quer dizer que sejam necessariamente maus. A maior religião do mundo em número de adeptos, por exemplo, o cristianismo, tornou-se um poderoso instrumento nos destinos do mundo, desde a antiguidade romana até os dias de hoje.

Aqui, porém, longe de querer discutir os mais intrincados aspectos históricos que envolvem as crenças de cunho religioso mono, politeístas, panteístas, animistas, etc., voltaremo-nos, para um aspecto extremamente pontual e que diz respeito mais de perto à religião cristã, largamente dominante no mundo ocidental: o seu crescente esvaziamento, ou o esmaecimento de suas doutrinas e rituais num mundo conflitantemente capitalista.

Aí se põe a questão central, não única, do problema: o antagonismo entre a proposição e a descrição ôntica oferecidas pelo cristianismo, que tem como fonte vital o segundo evangelho, ou novo testamento, e o sistema financeiro e social de base capitalista. Em suma, não faz nenhum sentido, de fato, que um cristão dito verdadeiro prefira uma nota artificial de $ 100 a uma árvore centenária, criada por leis cósmicas supraterrenas, e que dispensam a intervenção humana para sua existência, porque sujeita às mesmas leis da vida humana.

Não sou estudioso contumaz da bíblia, mas creio que conheço dela o suficiente para tirar algumas conclusões lógicas e, portanto, válidas, pelo menos conforme o modo de conhecer do homem. Apenas para ilustrar, e sem citar versículos, como é hábito, lembro que em várias ocasiões, Jesus Cristo, que para todo cristão é o elo até certo ponto material que se fez entre o homem e Deus, condenou o culto ao poder econômico. O quebra-quebra no templo, o conselho a um interlocutor para dar seus bens materiais aos pobres, etc. deixaram claro que o essencial da vida cristã era o Amor. Amor a tudo que era proveniente da matéria cósmica engendrada por Deus.

Assim é que não sem espanto vejo proliferarem doutrinas como a da teologia da prosperidade, que descaradamente se utiliza de recursos retóricos falaciosos e se aproveita da boa vontade e da simplicidade bonachona de pessoas que buscam esperanças que sequer conseguem entender direito em maior extensão.

Muitos, de um ou de outro modo, sabemos que há manipulação para fins esconsos, feita por organizações ditas religiosas. E pior ainda é saber que os governos são amplamente coniventes com esses grupos, quando fazem ouvidos moucos ao que todos sabemos ser locupletação financeira descarada de falsos líderes espirituais, quando não acompanham nem de longe a movimentação de capital dos mesmos, e sequer cobram impostos de verdadeiras empresas, que permitem aos seus “líderes” uma ostentação econômica visível a olho nu. O poder de manipular massas que elas detêm é temido pelos governos e maldosamente aproveitado pelos políticos para seus objetivos políticos e de poderio. As igrejas são importantes parceiros dos políticos e dos governos. Isso explica quase tudo quanto a esse tipo de descaso.

É óbvio que o empreendimento divino, seja em qualquer concepção que o possamos considerar, está muitíssimo acima da materialidade e do materialismo terrenos. Desse modo, não há duvida: quando se considera o binômio espírito x matéria, esta última, por seu polimorfismo e por sua fugacidade secundária inerente, praticamente perde o valor, em termos ontológicos,  visto que aquele é a condição de existência dessa e nunca o contrário.

Portanto, as conhecidas vendas de indulgências, os dízimos, transformados sempre que possível em vintena, ou centena, as atividades financeiras paralelas que são desenvolvidas por determinados grupos religiosos não se sustentam minimamente sem encontrar-se em forte contradição com o princípio maior que rege qualquer religião ou equivalente que aceite o binômio sugerido acima.

Esse tipo de contradição afasta progressivamente mais gente da religião, até porque cada vez mais as sociedades modernas se afastam da ideia de uma vida austera, convencidas de que não há nada mais do que matéria, negando, portanto, nosso binômio. Intelectuais e ignorantes de toda ordem repetem essa cantilena, sem atentar para uma aspecto crucial da questão: não é, no mínimo, prudente negar o que desconhecemos. Einstein falava que o universo e a estupidez humana eram definitivamente infinitos. Tinha razão. Ilustrando de modo simples, podemos dizer que, embora o homem não possa compreender muitas coisas, mesmo assim não as nega, nem pode, inclusive a expensas da teorização moderna sobre a estrutura do universo, como a perenidade espaço-temporal ou mesmo a sua própria existência, que parece um despropósito só.

Vemos, então, gente defendendo com argumentos frágeis e apenas autoritários, coisas em quase total descompasso com uma ordem lógica aceitável, ancoradas em premissas largamente inadequadas ao tipo de raciocínio proposto, tudo isso alimentado por uma predominante falta de reflexão em alto nível.

Um fenômeno, se assim podemos dizer, moderno curioso, e que demonstra o nível de esvaziamento e de desvinculação entre doutrina e ritos de fé e pressão capitalista inadvertida é, por exemplo, especialmente no Brasil, o hábito de mudar datas de feriados religiosos. Um non-sense a serviço do materialismo social e do capitalismo, vergonhosamente aceito até por quem vive sentado em banco de igreja toda semana, provavelmente sem entender a fundo o que aquilo tudo representa. Alguns podem argumentar que muitas datas do calendário cristão, a que nós obedecemos, são incertas, pagãs, etc, etc., mas isso não é argumento válido. As datas todas estão para a grande maioria esvaziadas. São apenas dias para “descanso” da labuta extenuante do sistema, não dias dedicados ao crescimento espiritual, conforme reza sua instituição. Das três uma: ou o feriado é mantido como originariamente pensado, para manter sua unidade lógica, ou nos entregamos à escravidão total do sistema e acabamos com as datas cristãs, tornando-as dias úteis, pelo menos em tese, produtivas, ou, finalmente, começamos de uma vez por todas a discutir pra valer aonde o sistema, seja qual for, nos conduz e contribui na cruzada cósmica do homem, e não apenas na sua reles trajetória terrena. Após encontrarmos as respostas certas, poderíamos tentar pôr alguma ordem nesse “caos lógico” que se instalou.

Por um lado, a fé cristã parece aproximar-se mais do sistema socialista, mas este já deu provas de que não se sustenta facilmente, a menos que sofra alterações sensíveis em sua concepção, o que pode mesmo desfigurá-lo. Acresce que independente do sistema, o materialismo sempre foi o que de fato moveu os homens e provas disso podem ser sobejamente ofertadas, se assim o quisermos, mas escolhamos uma, pela economia. É curioso, e meio cômico, como pessoas de altas posses, líderes de várias épocas, se angustiam ao nivelar-se pelos passos finais do único caminho inevitável, ou encontram saídas ridículas para desligar-se de suas riquezas, ou, ainda, encontram formas inusitadas para continuar com elas mesmo após a morte. Os faraós ilustram bem esse caso. Um sujeito poderoso que deseja preservar de um ou de outro modo seu corpo material e seus tesouros mundanos, sem aceitar outro destino possível. Inclusive na doutrina cristã esse apego se revela pela ideia de reencarnação, geralmente encarada exatamente nos moldes estabelecidos pelas prioridades do homem, o que não parece fazer muito sentido.

O fato é que o comportamento humano em face de si, do outro e da força cósmica que rege a vida em sua transcendentalidade afigura-se fragmentado, e incoerente com a fé teoricamente professada em cultos religiosos, como os de origem cristã.

Assim como na concepção deífica da santíssima trindade, o homem deve se ver como uma tríade, em que os elementos que o compõem se interdependem para dar-lhe a unidade necessária e instaurar-lhe a essência enquanto realidade cósmica: sua materialidade particular e imediata, a força vital que o anima, ou, chamemos “sopro de Deus”, e, por fim, sua materialidade transcendente e universal.

Sem buscar entender melhor esses aspectos menos palpáveis da existência humana, dificilmente o homem encontrará o melhor caminho a seguir e continuará à deriva, vítima de sua própria tendência ao materialismo mal medido e irresponsável, que quase nada pode acrescentar para o seu aprimoramento, enquanto realidade cósmica. Se a materialidade é inerente ao homem e à própria natureza, não podemos negá-la ou evitá-la, mas devemos evitar entendê-la de maneira redutiva, porque isso via de regra conduz a uma espécie desvirtuada de materialismo, que se encerra perigosamente dentro de si mesmo.




p.s.: não usamos o termo materialismo, com referência direta a qualquer concepção filosófica stricto sensu.
2 Comentários
Comentários

2 comentários:

Carol disse...

A religião serviu e serve ainda hoje para manipular as grandes massas. Com fins políticos e, também, financeiros. No decorrer da história podem-se notar as peripécias feitas pela igreja, para reprimir ou encaminhar povos em determinadas direções. Por esse motivo, também, que não tomo os escritos da Bíblia como verdades absolutas. A Bíblia, a que temos acesso, foi “editada” antes de chegar até nós. Mesmo assim, a Bíblia não deixa de ser um escrito valioso, se for analisado de uma forma lúcida.

Não é necessário ser “beato” para perceber o quão fugaz é a matéria, e, também, a magnitude das emoções e das sensações, que, ao contrário da primeira, se perfazem até o último minuto da vida de um ser.

Quanto aos feriados religiosos, esses são realmente ridículos. Como foi dito, muitos nem são corretos, deveriam ser abolidos.

Bjs,

Carol Lemarc ^^

Vinícius Lemarc disse...

Oi, querida Carol!

Concordo quanto à necessidade de saber ler a bíblia, além de conhecer um pouco a sua hstória. A forma como ela foi escrita permite muitas interpretações,ou seja, vira uma festa pra quem quer vender a sua ideia e a sua coveniência. Quanto à história da matéria, ela é facilmente cultuada porque é mais compatível com a falta de sensibilidade que "o mundo" tem.
Difícil dizer que alguns feriados deveriam ser abolidos, num país em que, se desse, enforcariam mesmo 2015 porque tá entre a copa e as olimpíadas. Nem a quaresma ninguém respeita mais. Passa quase batida em meio à balbúrdia.

Beijo!

LeMarc

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